‘Retratos sonoros’: Rádio UFMG Educativa lembra trajetórias interrompidas pela ditadura
A Rádio UFMG Educativa estreia nesta terça-feira, 10, a série Retratos sonoros: trajetórias interrompidas pela ditadura. A data marca os dez anos da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade à presidenta da República, Dilma Rousseff, em 2014. Criada pela Lei 12.528/2011 e instalada em 16 de maio de 2012, a Comissão apurou as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 no Brasil, com foco principal nos casos de desaparecidos políticos.
Com sete episódios, a produção da UFMG Educativa resgata histórias de estudantes, professores e servidores que foram perseguidos pelo regime militar no Brasil em razão de sua atuação política; eles foram homenageados em sessão solene do Conselho Universitário da UFMG no último dia 24 de setembro. Na ocasião, diplomas póstumos foram entregues aos familiares dos estudantes Gildo Lacerda, Idalísio Soares Aranha Filho, José Carlos Novaes da Matta Machado e Walkiria Afonso Costa, que foram assassinados pelo regime ditatorial.
Os estudantes são citados na lista de mortos e desaparecidos políticos do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Apenas José Carlos da Matta Machado, o Zé, teve o corpo resgatado pela família – ele havia sido enterrado como indigente no Cemitério da Várzea, em Recife. Além deles, os professores Marcos Rubinger e João Batista dos Mares Guia e os servidores Irany Campos e Elza Pereira, também homenageados pela Universidade, são citados no relatório final da Comissão da Verdade em Minas Gerais.
Arbitrariedade
A série Retratos sonoros resgata as trajetórias interrompidas dessas pessoas com base nos relatos de Irany Campos, de João Batista dos Mares Guia e de familiares daqueles que receberam homenagens póstumas, como a esposa do professor Marcos Rubinger, Conceição Rubinger, que lembra o momento em que ele foi preso pela primeira vez, de forma arbitrária, no dia 10 de abril de 1964.
“Livros e materiais de pesquisas eram rasgados ou se despedaçavam ao ser atirados ao chão, armários e gavetas eram revirados. A certa altura, perguntaram-me onde se encontravam as armas. Apontei para as paredes do escritório onde arcos e flechas, tacapes e cocares faziam parte da decoração. Então, eu disse: esta é uma casa de antropólogo, e as armas que temos são estas”, ela rememora.
Depois de passar mais 258 dias preso, Rubinger foi liberado para passar o Natal com o pai doente e, então, pediu asilo político na embaixada da Bolívia, no Rio de Janeiro. De lá, partiu para o exílio em países da América do Sul e para a Suíça, onde atuou a serviço da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Somente em 1966, depois de retornar ao Brasil, descobriu que havia sido exonerado do cargo de docente de Antropologia da UFMG. Morreu aos 41 anos, no dia 19 de novembro de 1975, por complicações de uma cirrose, associada à depressão.
‘Reparação simbólica’
Amigo de Rubinger, João Batista dos Mares Guia, que atuou como líder universitário no movimento estudantil no final da década de 1960 e chegou a ser preso e torturado pelos militares, teve a contratação como professor universitário vetada no período da ditadura, quando já ministrava aulas no Departamento de Sociologia da UFMG, em 1976. Ele revela que só em 2017 descobriu a existência de documentação guardada no arquivo da Biblioteca Central da UFMG sobre a consulta feita pela Universidade ao comando do Exército antes de contratá-lo.
“Uma aluna do mestrado em história da UFMG [Iara Souto Ribeiro Silva], autora de uma dissertação sobre a ditadura e a Univerisdade, veio me entrevistar, e, dentro do estudo, o meu caso mereceu algo em torno de 14 páginas com documentação. Ela me falou de uma caixa existente no quarto andar da Biblioteca Central, onde estava um documento secreto de iniciativa do comando do Exército, pressionando a Reitoria, mas havia também uma certa documentação que foi de iniciativa da Reitoria, indagando se havia algum tipo de impedimento para que eu fosse contratado”, relata Mares Guia, em entrevista à Rádio UFMG Educativa.
Em seu discurso na sessão solene do Conselho Universitário, quando foi finalmente reconhecido como professor de Sociologia da UFMG, ele classificou a iniciativa da Universidade como “reparação simbólica”.
Retorno pela justiça
Quem também teve o reconhecimento tardio da perseguição sofrida no período da repressão, por sua militância sindical e política, foi o servidor Irany Campos, exonerado do cargo que exercia na Faculdade de Medicina da UFMG depois de ser preso e torturado pelos militares e partir para o exílio. “Com a aprovação da Anistia, eu voltei e cheguei ao Brasil no dia 1º de setembro de 1979, portanto, dez anos depois que eu fui preso. Entrei na justiça para poder trabalhar a minha volta para o serviço na Universidade, porque me mandaram embora com alegações absurdas”, lembrou, em entrevista à Rádio UFMG Educativa.
Conforme documentado no relatório final da Comissão de Verdade em Minas Gerais, Campos foi demitido do cargo de laboratorista “pela prática de atos considerados de incontinência pública e escandalosa”, segundo consta na Portaria 65, de 17 de fevereiro 1970, assinada pelo reitor Oscar Versiani, após julgamento por uma Comissão de Inquérito instalada na Faculdade de Medicina.
A série Retratos sonoros: trajetórias interrompidas pela ditadura será veiculada dentro do programa Conexões, sempre às 10h15, nos dias 10 a 13 de dezembro, e na semana seguinte, de 16 a 18. Os seis episódios também ficarão disponíveis na página da emissora no SoundCloud e nas plataformas de podcast, como o Spotify. A produção é assinada pela jornalista Alessandra Ribeiro, com trabalhos técnicos e sonorização de Clarice Oliveira.