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Vale tudo pela piada? Oscar 2022 acende reflexões sobre limites do humor

Liberdade de expressão e as relações entre piadas ofensivas e a manifestação de preconceitos são os principais temas discutidos em relação ao episódio protagonizado por Chris Rock e Will Smith

Will Smith, vencedor do Óscar Melhor Ator de 2022, reagiu com um tapa à piada do comediante sobre sua esposa durante cerimônia de premiação
Will Smith, vencedor do Óscar Melhor Ator de 2022, reagiu com um tapa à piada do comediante sobre sua esposa durante cerimônia de premiação Divulgação


Um tapa roubou a cena no Oscar 2022. Uma edição que poderia ficar marcada como aquela em que Will Smith ganhou o Oscar de Melhor Ator, 20 anos depois de sua primeira indicação, ficou marcada como a edição do tapa de Will Smith em Chris Rock. O tapa, que é uma violência física, foi uma reação do ator às palavras do comediante, que segundos antes fez uma piada com a cabeça raspada de sua esposa, a atriz, cantora e apresentadora Jada Pinkett Smith. 

Chris Rock é do tipo que não pode perder a piada e, justamente numa das premiações mais acompanhadas no mundo todo, num momento em que toda atenção estava sobre ele, acabou ridicularizando Jada Smith por sua doença, a alopécia: uma condição autoimune que causa a perda de cabelos e pelos. A doença é desencadeada pelo ataque das células no próprio organismo contra o folículo piloso e pode ser ocasionada por estresse, gatilho emocional e genética. 

Um dia depois do episódio, Will Smith fez uma declaração pública em que se desculpava pelo ato, reconhecendo-se errado. Em um trecho do texto, publicado nas redes sociais, o ator diz: “Eu gostaria de me desculpar publicamente com você, Chris. Eu passei dos limites e estava errado. Estou envergonhado e minhas ações não foram indicativas do homem que quero ser. Não há lugar para violência em um mundo de amor e bondade”. E completou: “Piadas às minhas custas fazem parte do trabalho, mas uma piada sobre a condição médica de Jada foi demais pra mim e eu reagi emocionalmente”. Nenhum pedido de desculpas foi feito à Jada Pinkett Smith por parte de Chris Rock, que declarou desconhecer sua condição. 

O assunto, e, principalmente o tapa, repercutiu e segue repercutindo durante a semana, mas o programa Conexões desta quarta-feira, 30, trouxe o foco das discussões para a ação de Chris Rock, levantando as seguintes reflexões: vale tudo pela piada? A dor do outro tem passe livre para ser material de trabalho de um comediante? É possível fazer comédia sem ferir as pessoas? A comédia que ridiculariza é também um tipo de violência? Para pensar nisso, o programa convidou a advogada especialista em direito público Gabriele Ferreira, autora do livro "Limites do Humor e sua relação com os grupos minoritários".

Para a entrevistada, o judiciário não é um ambiente propício para limitações e silenciamento de qualquer expressão humorística. “Quando um comediante vai ao palco e faz uma piada que possa ser ofensiva, não há como determinar claramente se a piada foi feita para ofender uma pessoa. A piada não tem o objetivo de ofender alguém, mas de fazer rir. Ser ofensivo não possibilita que seja limitado”, explicou a advogada. Considerando o contexto em que foi elaborada a Constituição Brasileira, como afirmou Ferreira, há uma proteção acentuada da liberdade de expressão no país, tornando preferível que se diga o que se deseja, mesmo que seja ofensivo, com posterior direito de resposta e de responsabilidade civil garantidos.

No entanto, a advogada chamou atenção para a relação entre o chamado humor “politicamente incorreto” e a manifestação de preconceitos. “Esses preconceitos são inseridos nos nossos textos, não só os humorísticos. A piada, o humor, não foge disso. A gente tem piadas machistas porque somos uma sociedade machista. Mas proibir que a piada seja feita vai solucionar o problema principal, que é o machismo? Não vai, porque é uma manifestação da nossa sociedade", comentou a especialista, defendendo que as formas de expressão se modificam junto com o pensamento social.

Ouça a entrevista completa no Soundcloud.

O livro “Limites do Humor e sua relação com os grupos minoritários” (2021), é publicado pela Lumen Juris Editora e pode ser encontrado nas livrarias físicas e virtuais ou no site da editora.

Produção: Nicolle Teixeira, sob orientação de Luiza Glória
Publicação: Enaile Almeida, sob orientação de Luiza Glória