Conceito de ‘geobricolagem’ norteia conferência de Viveiros de Castro na UFMG
Etnólogo mostra como alguns povos se articulam com seus ambientes por meio de exemplos, ao invés de modelos
No “pensamento-por-modelo”, povos subdesenvolvidos, muitas vezes submetidos pela força, copiam ideias que, não raro, são transformadas em simulacros. Os exemplos, diferentemente, são emprestados horizontalmente e são eles que inspiram a noção de “geobricolagem” proposta pelo etnólogo Eduardo Viveiros de Castro, como referência às múltiplas ontologias práticas com que os povos extramodernos se articulam com seus ambientes.
Viveiros de Castro vai abordar o tema na conferência O modelo e o exemplo: dois modos de mudar o mundo, na próxima segunda, 9, às 14h, no CAD 2, campus Pampulha. O evento dá sequência às comemorações dos 90 anos da UFMG.
O antropólogo, vinculado ao Museu Nacional da UFRJ, toma como base para sua abordagem os personagens conceituais “engenheiro” e “bricoleur”, criados pelo francês Claude Lévi-Strauss para explicar modos distintos de mundificação. Essa distinção, que aparece no livro O pensamento selvagem, de 1962, interessa a Viveiros de Castro por sua “relevância antropológica e geopolítica, na medida em que ela corresponde à diferença crucial entre o modelo e o exemplo”.
O ponto de vista do "engenheiro" supõe, segundo texto de apresentação do conferencista, um pensamento-por-modelo, ou seja, baseado em ideias impostas a outros, invariavelmente representados por povos ou populações menos-que-modernas, ou não desenvolvidas, que são estimulados – quase sempre pela força – a copiá-las.
“Naturalmente”, afirma Viveiros de Castro, “os povos-alvo nunca conseguem copiar-aplicar o Modelo, algo que é usualmente atribuído ao fato de eles serem primitivos, preguiçosos, ignorantes ou politicamente corruptos. Mas esses povos ou coletivos podem acabar por produzir simulacros, isto é, distorções inventivas e criativas que subvertem o modelo ideal que lhes é imposto, abrindo assim espaços de autonomia ou ingovernabilidade nos interstícios ou linhas de fratura da 'governança' heteronômica que os oprime”.
Pistas ou convites
Ainda de acordo com Eduardo Viveiros de Castro, os modelos são, por definição, simplificações violentas da realidade e, nesse sentido, “sempre estiveram na raiz do projeto modernista de achatar os muitos mundos dos seres terranos (humanos e outros) de modo a produzir um único nomos global”. Os exemplos, ao contrário, são ideias (técnicas, instituições etc.) que “funcionam como inspirações, pistas, sugestões, convites para se fazer algo ‘igualmente diferente’ ou ‘diferentemente igual’ em relação ao exemplo inicial.
Viveiros de Castro destaca que os exemplos operam com os materiais "à mão", remetendo à figura do bricoleur lévi-straussiano. “No contexto dos debates sobre a catástrofe do Antropoceno, quando o fantasma das soluções por ‘geoengenharia’ começa a se materializar sob formas as mais irresponsáveis, propomos o contraconceito de ‘geobricolagem’”, afirma o pesquisador. Ele acrescenta que esse conceito pode ser útil como "máquina de guerra" contra a pressão crescente para elevar o projeto capitalista de geoengenharia do mundo a uma escala propriamente planetária, de modo a suscitar um "bom Antropoceno". Durante a conferência, Eduardo Viveiros de Castro vai evocar exemplos de geobricolagem, principalmente provenientes da Amazônia e de regiões como o semiárido do Nordeste brasileiro.
Responsável pelo convite a Viveiros de Castro, o professor Eduardo Vargas, do Departamento de Antropologia e Arqueologia, lembra que o conferencista tem história de pelo menos 20 anos de parcerias com a UFMG, mas é aguardado com ansiedade, porque há alguns anos não vem à Universidade. “Viveiros de Castro une a antropologia a questões supercontemporâneas, especialmente com base na experiência com o diferente, como no caso de suas pesquisas com os índios da Amazônia”, afirma Vargas.
O pesquisador
Etnólogo americanista, com experiência de pesquisa na Amazônia, o conferencista tem pós-doutorado na Université de Paris X (1989). É pesquisador do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), da França, e teve passagens pelas universidades de Cambridge (Reino Unido) e de Chicago (EUA), entre outras. É um dos coordenadores da Rede Abaeté de Antropologia Simétrica (NAnSi), baseada no Museu Nacional da UFRJ.