Entrevista com: Pedro Parafita de Bessa
"Faculdade foi fermento para o espírito crítico"
Fundado pela Universidade pelo AI-5, o professor Pedro Parafita de Bessa nunca solicitou a revisão de sua aposentadoria compulsória decretada em 1969, quando dirigia um Fafich. Em vez de executar na Anistia, prefere ou protesta: "Você já fez minha vida profissional e sabia que ainda estava preso. De que maneira resolver a minha situação, se aqueles que estavam mais ativos continuaram nas mãos dos militares?"
Em entrevista ao Boletim, Pedro Parafita de Bessa, fundador do curso de Psicologia da Fafich, gravou os anos de chumbo na Universidade e descreve com detalhes a invasão do prédio da rua Carangola, em 1968.
Boletim - Como o senhor analisa o papel de Fafich na resistência à ditadura?
Bessa - Como faculdades de Ciências Econômicas, Direito e Medicina também eram muito atuantes, mas a era de Fafich era mais combativa. No final de 68 foi decretado o AI-5 e veio a repressão. O governo aposentou no mesmo dia vários professores, principalmente em São Paulo. Quem protestava contra como aposentadorias também era aposentado. Os militares sempre valorizam a autoridade, uma disciplina e a uniformidade. Não entra na cabeça deles a idéia de criar um sistema educacional que busque a diversidade, a crítica e a individualidade.
B - Como foi a invasão de Fafich?
Bessa- Foi em 1968, ainda antes do AI-5. Os militares querem criar fatos para suportar o regime. Por isso, houve várias invasões em muitas escolas. Na Faculdade de Filosofia da UFMG, ocorreu uma invasão no sábado. Eu estava em uma reunião do Conselho Administrativo e, por volta de 8 horas, telefonou para a Secretaria de Segurança pedindo que fosse lá, com urgência. Quando cheguei, me deixou esperando. Depois de um tempo, o Secretário apareceu e perguntou o que estava acontecendo na escola. Respondi: "Quando você diz, nada. O Conselho está em reunião, os professores e os alunos em aulas. Mas já estou aqui há muito tempo e uma hora pode acontecer muita coisa". Ele me pediu que esperasse. Voltou mais duas vezes, sempre me fazendo a mesma pergunta. Na terceira vez, insistiu: "Então, não está acontecendo nada mesmo?". "Não", respondi. "Então, pode ir embora". Quando cheguei, por volta de dez e meia, a Escola estava cercada.
B - Que atitude o senhor tomou?
Bessa - Decidi retornar à Secretaria e disse ao Secretário que a sua atitude tinha sido indecente, me tirar do prédio para cercá-lo. O Secretário disse que a Polícia não tinha medo de mim, por isso não tinha motivos para me tirar de lá. Ele disse que os policiais estavam na Faculdade para fazer uma vistoria, devido a uma denúncia de que estava acontecendo um congresso. Depois de muita conversa, chegamos a um acordo: a vistoria seria feita por mim, pelo vice-reitor, por um delegado e um coronel reformado. Mas se voltássemos ao prédio e ele estivesse invadido, o acordo estaria desfeito. Quando chegamos, o primeiro andar estava tomado pelos policiais. Nos outros sete andares havia 600 alunos, 90 professores e os funcionários.
B - O que aconteceu então?
Bessa - A partir daí criou-se um impasse: os policiais não subiam para fazer a vistoria, mas não deixavam ninguém sair. Ao meio-dia, um coronel chegou ao gabinete do diretor, onde estavam vários professores, e apresentou um papel com os nomes de 12 alunos. Disse que, se os entregássemos, o prédio seria liberado. Os professores disseram que não iriam entregar ninguém e que, se a polícia quisesse, levasse presos todos os 40 professores ali presentes. Pouco depois, os militares mais graduados foram embora e ficou um capitão no comando. Fiz um acordo com ele para que mantivesse os policiais quietos e eu cuidaria de fazer o mesmo com os alunos e professores. Acalmei os alunos e pedi que ninguém atirasse nada na polícia nem tentasse qualquer tipo de enfrentamento.
B - Como a situação foi resolvida?
Bessa - Os professores sugeriram que falássemos com o Milton Campos e o Pedro Aleixo, professores da Universidade que, naquela época, eram senador e vice-presidente da República, respectivamente. Eles prometeram convencer o presidente a mandar desocupar o prédio. Uma hora depois, retornaram nosso pedido dizendo que precisávamos procurar o general da infantaria para solucionar a questão. Um grupo foi falar com o general e voltou com a solução: a polícia levantaria o cerco se eu escrevesse uma carta dizendo que não havia nenhum congresso na Faculdade. Enviamos a carta, garantindo que os auditórios e outros grandes espaços da escola não tinham sido usados para nenhuma reunião ampliada. Mas não podia garantir que os alunos não haviam se reunido em alguma sala de aula. Às oito horas da noite, a polícia foi embora e todos saíram.
B - Além desse conflito, houve outros enfrentamentos com a polícia?
Bessa - Havia muita chateação. Fui chamado a depor uma semana depois desse episódio. A polícia ligava sempre, querendo que eu entregasse alunos. Mas nunca delatei ninguém.
B - Que impressões o senhor tem da Fafich da sua época de aluno e professor?
Bessa - Eu acho que as faculdades de Filosofia no Brasil tiveram um papel muito importante no desenvolvimento do ensino universitário e do espírito crítico. A Fafich foi uma escola onde as coisas eram discutidas, ela funcionou como um fermento.
B - Qual deve ser o papel da Fafich nos dias de hoje?
Bessa - Acho que a instituição deve continuar criticando o que está aí. Globalização não é destino de nenhum país, é uma submissão aos ditames dos países hegemônicos.
B - O senhor guarda alguma mágoa daquela época?
Bessa - Não, quer dizer, já não gostava de militar, continuei não gostando.