Lagear desvenda universo multimídia

A Universidade é plural?

Nossa cultura tem absorvido com muita facilidade uma infinidade de modismos globalizados tais como McDonalds, lojas de departamentos, shoppings e outros, provenientes da hegemônica sociedade norte-americana.

 

Absorvemos também, sem o devido espírito crítico, o american way de fazer ciência. Publish or perish (publique ou pereça) passou a fazer parte da vida acadêmica brasileira, juntamente com os índices de citação, impacto e outras medidas de desempenho que, com sua suposta objetividade absoluta, podem vir a inibir nossa capacidade criativa.

 

Essas medidas "objetivas" nos restringem às quatro paredes de nossos laboratórios, transformando-nos em compulsivos produtores de publicações (como Chaplin apertando parafusos em Tempos Modernos). O sistema alimenta essa compulsão, pois só os que publicam muito atraem mais alunos, têm seus novos projetos financiados, bolsas do CNPq e Capes. Consequentemente, a universidade produtiva que o público conhece pelos "serviços de utilidade pública" da mídia tem como sua principal marca números de publicações em revistas internacionais indexadas e as correspondentes citações.

 

Através desta estatística, cientistas produtivos são supostamente distinguidos daqueles considerados improdutivos, criando-se castas diferenciadas, o que limita e empobrece o ambiente cultural universitário. Além disso, essa pressão nos impele cada vez mais em direção a um modo burocrático e repetitivo de produzir conhecimento científico. Dessa forma, a possibilidade de contribuir com a produção de um conhecimento original e transformador é substituída pelo acúmulo de aglomerados de papers contendo conhecimento repetitivo e monótono. Será realmente essa a melhor forma de contribuir para o desenvolvimento da ciência brasileira e universal?

 

É importante salientar que não duvidamos da fundamental importância da produção científica original para o desenvolvimento científico, tecnológico e social do Brasil. Porém, cabe aqui uma reflexão sobre os papéis que uma universidade plural deve exercer na sociedade: além de formar profissionais competentes (quando a pesquisa não atrapalha!) para atender às necessidades sociais, é tarefa principal dos docentes universitários publicar em revistas internacionais? Estaria esta competição, provocada pelo lema publish or perish, que se alastra pela vida acadêmica, inibindo nossa criatividade e nos impedindo de produzir um conhecimento original de alta qualidade? Que tipo de professor estaríamos também formando? Professores-cidadãos que atuarão como agentes de mudança real e necessária desta nossa sociedade tão desigual em oportunidades, ou simplesmente transmissores de informação que repetirão muitas vezes o mesmo conteúdo memorizado no transcorrer de sua graduação? Estaríamos fadados a continuar formando jovens cientistas ultra-especializados, "feras" instrumentais, porém sem uma visão abrangente das implicações históricas e sociais do desenvolvimento da ciência? Estaríamos formando um contingente de alienados para os quais o único objetivo é o de obter o prestígio originário das publicações internacionais, mas que desconhecem ou são indiferentes às mazelas sociais que circundam os campi ou às perspectivas atuais nada favoráveis à manutenção das universidades públicas de boa qualidade?

 

Cabe ainda refletir sobre nossa participação na discussão dos verdadeiros objetivos dos vários mecanismos de avaliação a que somos submetidos e se estes são de fato consistentes e transparentes a ponto de promoverem um salto qualitativo da universidade. Será que, ao nos entrincheirarmos em nossos laboratórios, cegos e fazendo ouvidos moucos para o desenvolvimento social dinâmico, que afeta pessoas reais cujo trabalho nos financia, não estaríamos dificultando o seu acesso aos resultados do conhecimento científico do qual tanto necessitam? Ao nos envolvermos em uma competição muitas vezes intensa e desfavorável à produção de conhecimento de qualidade, não estaríamos fazendo o jogo dos que desejam ver a universidade pública ainda mais segmentada, perder seu papel fundamental de geradora de conhecimentos socialmente úteis, integrados e abrangentes?

 

Cada leva de calouros que entra na UFMG é aconselhada a desfrutar o máximo que a instituição pode oferecer; aproveitar cada evento, transitar pelas várias unidades do campus a fim de conhecer suas diversas atividades e buscar o verdadeiro significado de universidade. Porém, isso não é realizado com a freqüência que gostaríamos e julgamos necessária para que o aluno tenha uma visão abrangente da utilidade e problemas da instituição onde estuda e convive.

 

Por outro lado, nós, professores e funcionários, temos nos privado da convivência institucional informal e, muitas vezes, esquecemos o verdadeiro significado de Universidade: um espaço livre e adequado à geração de conhecimentos originais, que devem ser compartilhados; um lugar apropriado para discutir a importância dessa produção para o desenvolvimento da ciência e da sociedade. Participamos minimamente de eventos que nós mesmos promovemos, como a Semana de Graduação, UFMG Jovem e Semana de Extensão. Não freqüentamos os belos concertos da Escola de Música e transitamos apressados pelos corredores, desconhecendo o trabalho científico e demais interesses culturais do colega e funcionário que ocupam a sala contígua à nossa.

 

Vale a pena perseguirmos a todo custo a meta de um grande número de publicações repetitivas, deixando de lado os valores humanos e sociais que nos proporcionam uma visão de mundo abrangente e atenta às diferenças que o distinguem e enriquecem?

 

Professores do ICB

Maria Cristina Lima de Castro e Rogério Parentoni