O conciliador de ambigüidades
Livro de professor da Fale analisa obra de Sérgio SantAnna, um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos
Um universo crítico, erotizado e repleto de questionamentos literários e sociais. Eis a vasta paisagem a ser desvendada por quem se propõe a analisar a narrativa do escritor Sérgio SantAnna. Ainda pouco conhecido no Brasil, apesar de sua volumosa obra, o autor detém a peculiar capacidade de conciliar ambigüidades. Sua linguagem é simples e densa; e seu estilo, ao mesmo tempo, leve e desafiador.
Tais características instigaram o professor Luis Alberto Brandão Santos, do departamento de Semiótica da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG, a estudar com afinco toda a obra de SantAnna. As investigações literárias de Brandão culminaram com o livro Um olho de vidro - a narrativa de Sérgio SantAnna, publicado pela Editora da Fale.
Fruto da dissertação de mestrado defendida pelo professor em 1992, Um olho de vidro guarda boas surpresas para os leitores interessados em compreender melhor a obra de SantAnna e, conseqüentemente, certas características da literatura brasileira contemporânea. O trabalho exigiu o estudo dos 14 livros escritos pelo autor além do volume Novelas e contos reunidos, editado pela Companhia das Letras nos quais Brandão procura desvendar os aspectos fundamentais da narrativa do escritor. "Os textos do livro não são acadêmicos. Busquei uma constante tensão entre a análise e as possibilidades de ficção", afirma o professor.
O resultado do trabalho de Brandão é uma obra crítica sobre o escritor Sérgio SantAnna, que, para deleite do leitor, incorpora elementos literários. Todos os ensaios de Um olho de vidro giram em torno de uma cena descrita por SantAnna no conto Romeu e Julieta, incluído no livro Notas de Manfredo Rangel, repórter. Trata-se do diálogo entre um homem e uma mulher, no qual surge a questão: "você amaria um sujeito com um olho de vidro?" Diante da pergunta, a mulher diz-se atraída pelo mistério da venda que ele traz nos olhos. O homem então ressalta que as pessoas deveriam se conhecer "até o fundo", joga seu olho de vidro na laranjada que a mulher bebia e diz que se apaixonaria para sempre, caso ela tomasse o suco. A resposta ao desafio aparece logo na frase seguinte: "Ela bebeu".
A partir da cena, o professor investiga a obra de SantAnna e traça os principais aspectos do estilo do escritor. A primeira conclusão diz respeito ao caráter profundamente crítico do escritor. "O tempo todo ele se põe limites e investiga o próprio fazer literário", afirma Brandão. O trabalho chegou ainda a um dos maiores questionamentos de SantAnna, presente em boa parte de sua obra: Como a literatura pode tocar a realidade que cerca o autor? A pergunta, complexa por natureza, permanece sem resposta. Outra faceta do estilo santanniano, analisada no livro, é o seu caráter erotizado. "A presença do corpo em sua escrita é constante. Trata-se do desejo de transformar a literatura em espaço de inúmeras sensações", diz, lembrando que outras artes, como o cinema, o teatro e as artes plásticas, são também muito misturadas ao fazer literário do autor.
Além da análise dos textos de SantAnna, Um olho de vidro apresenta uma entrevista inédita do autor, que respondeu por escrito a uma série de questões formuladas por Brandão. Na "conversa", o escritor faz uma retrospectiva de sua obra, comenta aspectos da literatura contemporânea e a relação da literatura com a sociedade. A última surpresa da obra fica por conta de um ensaio redigido pelo próprio SantAnna, em que analisa quadros do pintor francês Balthus.
Livro: Um olho de vidro a narrativa de Sérgio SantAnna
Autor: Luis Alberto Brandão Santos
Lançamento: 5 de julho, a partir das 19h30, no restaurante Cozinha de Minas (Avenida do Contorno, 4570, Serra)