Por um modelo brasileiro de modernidade
A história pode ser vista como um fluxo ininterrupto, em que passado e futuro se entrelaçam num presente mais ou menos revelador dos processos responsáveis pelas grandes mudanças. Estas nem sempre são percebidas, porque têm suas origens em movimentos de fundo, acelerações até então desconhecidas e com a entrada em cena de novos atores. É assim que se dão as rupturas; e novos objetos, novas paisagens, novas relações, novos modos de fazer, de pensar e de ser se levantam e difundem.
A marcha da civilização é caracterizada, exatamente, por semelhantes situações, a que genericamente podemos chamar de modernizações. A princípio isoladas e lentas, tais modernizações tornam-se depois mais rápidas e espalhadas, com o advento do capitalismo. Este é marcado pela tendência à internacionalização e, depois, à universalização das conquistas materiais e espirituais que, há cinco séculos, vêm alterando o sentido da vida em todos os continentes, ainda que de forma desigual. Talvez por isso mesmo a idéia de progresso esteja sempre sujeita à reflexão e à crítica.
O processo capitalista une, de forma desigual e combinada, países ativos, dos quais se irradiam as grandes mudanças e que delas se beneficiam, e países passivos, onde a grande maioria dos homens vive na pobreza, segundo diversos graus de intensidade. Modernização e agravamento da desigualdade têm sido uma constante, constituindo, aliás, o lado perverso da difusão do progresso sobre a face do planeta.
O Brasil é um exemplo de país para o qual a modernidade, em todas as fases de sua história nos últimos cinco séculos, impõe-se, sobretudo, como abertura aos ventos de fora. Como essa abertura foi quase sempre ilimitada e sem freios, a modernidade à moda brasileira é igualmente sinônimo de abandono. É como se aqui não fosse possível adotar as inovações criadas no mundo, senão como cópia do pólo criador e difusor de novidades (Europa, depois os Estados Unidos...).
Esse comportamento reiterado pode dar a impressão a quem o observa de que a modernidade é sempre imitativa. Uma análise ainda mais profunda a partir do caso brasileiro levará a pensar que a idéia de adotar a modernidade tal qual postulada no centro seria também preconceituosa. Não se imitam culturas consideradas inferiores, enquanto são aceitos sem reflexão os princípios e as conseqüências daquelas consideradas superiores.
No caso brasileiro, tal modernidade se impôs, ao longo dos séculos, aos modos de fazer, de ser e de pensar. Quanto ao fazer, é comum que se prefiram impor distorções a imaginar práticas menos danosas na condução dos destinos nacionais. Quanto ao ser, uma espécie de complexo de culpa, nem sempre confessado, marca freqüentemente os comportamentos, quando, por exemplo, não se pode fazer tudo previsto no modelo, ou seguir toda a prescrição. Os responsáveis não se acham falaciosos ao defender formulações absurdas, no afã de adequar o País aos modelos exógenos.
O próprio pensar não escapa dessa evolução distorcida, pois as elites intelectuais são instantemente convidadas a negligenciar as pretensões de elaboração de um pensamento próprio, limitando-se, com exceções valiosas - e agora crescentes - ao mísero papel de repetidoras do modelo consagrado lá fora. Recentemente, com o neoliberalismo, é freqüente o abandono da idéia do nacional brasileiro, com a sedução de um imaginário influenciado por forte apelo da técnica e aceitação tranqüila da força totalitária dos fatores da globalização. Em todos os casos, avulta como corrente condutora a modernidade alienígena e alienante como força propulsora e indiscutível.
Que seria uma modernidade à brasileira e como poderemos alcançá-la? Cumpriria, em primeiro lugar, não enxergar a modernidade como dogma, uma obrigação, um credo. Em duas palavras, isso implicaria não seguir o conselho do poeta Rimbaud, para quem a modernidade era algo a tomar a qualquer preço. Ao contrário, o que se postula é a predicação de uma modernidade guiada por um objetivo nacional brasileiro. Se antes isso já era possível, agora o é muito mais, embora nos façam crer que há apenas uma opção, um caminho, com vistas à construção do futuro.
A grande originalidade do presente período histórico é a visibilidade, em todos os cantos do mundo, das novas possibilidades oferecidas por ele e a consciência de que é possível uma multiplicidade de combinações. Estas não têm que ser obrigatoriamente condutoras de alienação, podendo construir-se a partir de um modo de ser característico da Nação considerada como um todo, uma edificação secular onde as mudanças não suprimam a identidade, mas renovem o seu sentido a partir das novas realidades. Não se trata, assim, de recusar o mundo, mas de assegurar um movimento conjunto, em que o País não seja exclusivamente tributário, mas soberanamente partícipe na produção de uma história universal.