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Parceria deve acelerar instalação de curso de ciência da informação em Moçambique
A criação de curso de graduação em ciência da informação em Moçambique está mobilizando equipe de professores da UFMG. Em parceria com pesquisadores do país africano, o grupo está concluindo estudo de viabilidade do projeto, cujo relatório final deverá ser apresentado, em outubro, na capital moçambicana, Maputo. O trabalho, considerado pioneiro na Universidade, tem o objetivo de estabelecer cooperação técnica e científica com os africanos, por meio da formação de recursos humanos em área estratégica para o desenvolvimento de Moçambique.
“Em nosso país, a situação das bibliotecas, dos centros de documentação e dos arquivos pode ser considerada caótica, pois grande parte não passa por tratamento da informação, como catalogação e classificação”, diz Aissa Mithá Issak, diretora da Biblioteca Central do Instituto Superior Politécnico e Universitário (Ispu), de Moçambique, ao ressaltar a necessidade de pessoal especializado para organizar o setor.
Ex-colônia portuguesa, o país conta apenas com um curso de ciências documentais em nível médio, além de 28 profissionais, graduados e pós-graduados na área em instituições do exterior. O atendimento à demanda das unidades de informação das empresas, do Estado, da academia e das instituições civis é feito, majoritariamente, por especialistas formados em outras áreas ou pelos trabalhadores da informação, os “documentalistas”. Parte desse grupo possui baixa qualificação técnica, mas desempenhou importante papel na história recente de Moçambique.
“Com a saída dos portugueses dos cargos públicos, após a independência, em 1975, foram esses trabalhadores que mantiveram abertas as portas das bibliotecas”, observa Wanda Maria Peres do Amaral, diretora do Instituto Médio de Ciências Documentais (Cidoc) e assessora do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa (FBLP). Wanda e Aissa integram a equipe de 17 pesquisadores de Moçambique e da UFMG, responsável pelo estudo de viabilidade. O trabalho foi iniciado há um ano, com a coleta de dados nos dois países. Em visita à UFMG, na última semana de março, elas participaram de nova etapa de discussão do projeto, acompanhadas por Almiro Lobo, diretor-geral do Instituto Superior de Administração Pública (Isap).
Oralidade
“O curso que estamos projetando deverá estabelecer uma relação entre a realidade do mundo digital e a tradição local, em que a oralidade possui importante função na transmissão dos conhecimentos”, antecipa a professora da Escola de Ciência da Informação (ECI) da UFMG, Maria Aparecida Moura, que coordena os trabalhos.
O perfil do curso não foi definido. “Estamos analisando dados pesquisados nos dois países”, diz a coordenadora. Segundo ela, foram coletadas informações em Moçambique sobre os profissionais da área, as instituições de ensino e outras que possuem serviço de informação, incluindo itens como infra-estrutura e tecnologia disponível. No Brasil, a equipe desenvolveu estudo teórico e histórico sobre a constituição da sociedade de informação; o conceito de formação e a estrutura curricular dos cursos de biblioteconomia, ciência da informação e arquivologia; e os profissionais egressos desses.
“Com o trabalho, será possível extrair tendências e estabelecer um diálogo entre esse campo do conhecimento no Brasil e em Moçambique e, assim, definir as ações que o projeto vai gerar”, pontua Maria Aparecida. A metodologia de constituição do curso – que se beneficiou das afinidades culturais entre os países e de avaliação da realidade moçambicana – é considerada inovadora pela professora da ECI e integrante do grupo, Maria Guiomar da Cunha Frota. “Não vamos exportar para eles o modelo da UFMG”, assegura. O trabalho conta com financiamento do CNPq e o apoio de instituições moçambicanas.
Um país em reconstrução
Entre 177 países de todo o mundo, Moçambique ocupava, em 2004, a 171ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas, se a pobreza de sua população, estimada em 18,9 milhões de pessoas, é por demais conhecida, outra face dessa sociedade não é notícia: trata-se do esforço de reconstrução, empreendido desde 1992, com o fim da guerra civil. Iniciada em 1976, ela destruiu parte da infra-estrutura do país, inclusive a educacional. O empenho dos colonizadores nesse campo foi mínimo: o ensino superior foi implantado em 1962, mas somente 1% dos moçambicanos o freqüentava. Apesar disso, os índices de alfabetização passaram de 7%, em 1975, para 56,7%, em 2000; hoje, o país conta com 15 instituições de nível superior. Paralelamente a esse trabalho, está em curso projeto de modernização do Estado. Segundo Almiro Lobo, mais de 80% dos funcionários públicos têm apenas o ensino básico e, por esse motivo, sua capacitação é considerada fator essencial na melhoria da gestão pública. “A preparação na área de ciência da informação deverá contribuir, decisivamente, para tornar o Estado menos pesado, mais transparente e eficiente”, avalia. Moçambique integra o grupo de países africanos que mantêm taxas de crescimento econômico acima da média mundial. Na última década, a expansão do PIB moçambicano foi da ordem 8% ao ano.