Entrevista: Carlos Nobre
“O aquecimento global é um consenso científico”
Carlos Nobre
O debate em torno do tema do aquecimento global conseguiu um histórico raro da ciência: angariar ou consenso da comunidade acadêmica. Ele é o pesquisador Carlos Afonso Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Nobre esteve na UFMG, no último dia 28, com um convite da direção do Icex, para uma palestra sobre mudanças climáticas. Na reportagem do BOLETIM, que concedeu entrevista dias depois, ele elogiou a qualidade do debate sobre alterações climáticas, mas defendeu ou aprimorou. “Reduzir como prioridade global é obrigatório, mas como participar do esforço de redução da igualdade?”, Questiona o professor.
Como avalia o debate público que faz hoje sobre uma questão das mudanças climáticas?
Subiu muito de qualidade. Houve maior convergência entre a posição da maioria dos cientistas, que vem alertando sobre uma série de mudanças climáticas e a percepção da sociedade, porém, sem foco ou exageros. O debate entre agora na fase mais crítica, uma ação, já mostra a ciência que mostra que o aquecimento global é real e que as atividades humanas respondem pela maior parte do aumento dessa temperatura nas últimas décadas. Deve haver intenso debate sobre perdedores e vencedores de questões e quais ações adotar. Reduzir como prioridade global é obrigatório, mas como participar ou tentar reduzir a igualdade?
O senhor já recebeu o prêmio de gestão pela democratização das informações produzidas sobre o clima no setor público. Destacaria alguma particularidade nesse campo?
Quem recebeu o prêmio foi o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Inpe, que eu dirigi por época. O Brasil está relativamente atrasado em estudos sobre clima, suas alterações e mudanças recentes no século 20. A principal razão desse atraso é o respeito à relativa indisponibilidade de informações estatísticas pretéritas. Em decorrência da falta de estudos sobre essa questão, não conhecemos em profundidade nossas vulnerabilidades às mudanças climáticas.
Que pontos indicam como frágeis e fortes na produção da pesquisa nacional na área em que atua?
O país desenvolveu uma comunidade de pesquisadores em meteorologia e climatologia de excelente nível internacional, reflexo de investimentos que datam da década de 70. Essa comunidade conseguiu alavancar salto qualitativo e quantitativo com a criação do CPTEC, no início dos anos 90, marcando o começo da moderna meteorologia brasileira. Hoje, suas previsões de tempo e clima sazonal rivalizam com as dos mais avançados centros meteorológicos do mundo. Nossas vulnerabilidades ainda decorrem da concentração da capacidade de pesquisa no Sudeste, de uma rede de observações meteorológicas e climáticas insuficiente para cobrir o extenso território e da indisponibilidade de dados históricos que nos permitam conhecer profundamente o clima do país.
Sua área de estudos trabalha com eventos que comportam grande carga de imprevisibilidade e variáveis. Como avalia a “qualidade” das ferramentas disponíveis para lidar com objetos com tais características?
As flutuações rápidas da atmosfera, que chamamos de tempo, carregam alta dose de imprevisibilidade. Teoricamente, não é possível fazer previsões do estado instantâneo da atmosfera (tempo) com mais de duas semanas de antecedência. As modernas ferramentas utilizadas, como os sistemas observacionais globais a partir de sensores a bordo de satélites e os modelos matemáticos da atmosfera, dos oceanos e das superfícies, têm permitido que as previsões se aproximem desse limite teórico. O mesmo não pode ser dito do estado médio da atmosfera (clima). Em várias partes do mundo, são factíveis previsões de variações na escala de meses e até anos. Para tanto, são necessários modelos matemáticos que representem a atmosfera e os oceanos, pois as lentas flutuações climáticas são primordialmente controladas pelo oceano. As secas do Nordeste podem ser previstas com ajuda desses modelos com até seis meses de antecedência.
Análises discrepantes sobre o aquecimento global decorrem de inconsistências metodológicas da área? Essas ferramentas ainda estão na “idade da pedra”?
Ao contrário, estamos longe da idade da pedra nas avaliações sobre o aquecimento global. Há um consenso, raras vezes visto em ciência, de que o aquecimento global é inequívoco e um quase consenso de que a principal causa é o acúmulo na atmosfera de gases de efeito estufa, cuja emissão é de responsabilidade humana.
As universidades brasileiras estão preparadas para atender às exigências multidisciplinares da área?
A pesquisa do futuro é inevitavelmente multidisciplinar e interdisciplinar. Com a automação dos métodos de investigação, o cientista poderá dedicar-se mais à reflexão e à exploração das interfaces de disciplinas. O crescimento observado no número de programas de pós-graduação e de grupos de pesquisa interdisciplinar em todo o país também ocorre no campo das ciências ambientais, com foco, inclusive, na avaliação de políticas públicas.
O mercado de créditos de carbono pode, indiretamente, estimular o desmatamento de regiões que mantêm florestas originais?
Proteger a floresta em pé, evitando desmatamentos, faz muito mais sentido do que desmatar para depois reflorestar. A convenção climática não considera, para efeito de créditos de carbono, o papel do desmatamento evitado, o que é um ponto falho. Há negociações internacionais para criar mecanismos de compensação financeira a países tropicais que diminuam suas taxas de desmatamento.