Os múltiplos frutos da Macaúba

Mesclas culturais no novo mundo

Pesquisadores mostram em livro aspectos que envolveram trabalhos forçados e mestiçagens no mundo ibero-americano.

O italiano Carlo Julião retratou cenas que misturam elementos oriundos de culturas diferentes

As dinâmicas de mestiçagens - sociais, culturais, econômicas e políticas - que não deram no mundo ibero-americano colonial sofreram impacto planetário e de dimensão inédita até então. E motivou estudos de diversos pesquisadores, dentro e fora do Brasil, muitos reunidos no Grupo Escravidão e Mestiçagens. Treze deles, entre professores e alunos de pós-graduação, assinantes de títulos da obra recém-lançada Gravação, mestiçagens, estatísticas e identidades culturais.

Um dos consensos que podem ser destacados entre os novos estudos sobre o tema é o que é, contrariar ou marcar parte da historiografia tradicional, não se juntar ao conjunto indistinto de oprimidos estudos de negros, pardos e múltiplos envolvidos com estudos de forçado na América portuguesa. Essa corrente defende que diversos setores envolvidos em trabalhos forçados, principalmente a escravidão, são diferentes. “Esses grupos não se estabelecem e estabelecem hierarquias entre si”, afirma Eduardo França Paiva, professor do Departamento de História da UFMG e um dos organizadores do livro.

Uma perspectiva que orienta os estudos está vinculada à revisão historiográfica, de alcance mundial, iniciada no final dos anos 1980, de acordo com o professor da Fafich. “Como releituras consideram mesclas e exposições de religiões, valores e histórias na formação das vítimas após a conquista de um novo mundo”, afirma França Paiva. “É fundamental conhecer uma diversidade biológica e cultural que resultou na formação desses povos. Não é correto, por exemplo, chamar todos os brancos não negros, nem dizer que existe um grupo homogêneo unido contra escravidão ou contra 'branco malvado'. ”

Africanos islamizados

O capítulo de autoria de Eduardo França Paiva trata da presença de islâmicos e muçulmanos nas Américas. Ele demonstra, seguindo o caminho traçado por poucos estudiosos no mundo, que como as colônias recebem negros islamizados, que misturavam ou Islã com religiões tradicionais africanas. O texto aborda especificamente os negros mandingas, que, principalmente no início do século 18, no Norte de Minas Gerais, formam as milícias e o mando do português Manoel Nunes Viana. Discos armados pelo Vale do Rio São Francisco, desde a Bahia, para apropriarem-se de terras.

“Esses grupos espalhavam o terror lançando mão do estereótipo de ‘feiticeiros’, anterior à presença dos europeus na África”, conta França Paiva. Com o discurso de que Viana “tinha o corpo fechado e escutava pelas paredes”, eles assustavam os proprietários e chegaram até as áreas mineradoras. “Essa história ilustra a presença de negros islamizados em pleno sertão da América portuguesa, por excelência católica. O que mais se pode querer em termos de trocas e mesclas?”, ele provoca.

Ainda segundo o professor da Fafich, uma das contribuições mais relevantes das teses expostas no livro é oferecer ao campo das humanidades “melhor compreensão da pluralidade e da polissemia que marcam as histórias que constituem qualquer povo e qualquer sociedade”. Ele ressalta que esses estudos têm primado pelo aprofundamento das análises e por grande abertura das abordagens, no que se refere a temas, regiões e conexões. Da UFMG, além de Eduardo França Paiva, o livro tem capítulos escritos pelos professores Douglas Cole Libby e José Newton Coelho Meneses, e alunos e egressos do Programa de Pós-graduação em História.

Livro: Escravidão, mestiçagens, populações e identidades culturais
Organizado por Eduardo F. Paiva, Isnara Pereira Ivo e Ilton Cesar Martins
Editora Annablume e programa de pós-graduação em História da UFMG
309 páginas / R$ 39 (www.annablume.com.br)

Itamar Rigueira Jr.