Um novo ADÃO nas AMÉRICAS

Poema é pintura, pintura é poema

Pesquisa de mestrado na Fale revela relações entre imagem e texto na obra do argentino Xul Solar.

Ele começou a criar textos-legendas para suas pinturas e chegou a conceber idiomas e alfabetos, incluindo sinais recebidos tratamento plástico e local central em suas telas. Dono de uma das produções mais identificadas pela vanguarda latino-americana, o argentino Alejandro Xul Solar (1887-1963) ganha o primeiro estudo acadêmico no Brasil como privilegiado, especificamente, como relações entre pintura e escrita em sua obra. Yara Augusto, que defendeu sua dissertação em fevereiro, na Faculdade de Letras (Fale), elaborou uma divisão em fases da trajetória pictórica de Solar.

Segundo uma pesquisadora, o artista de talento múltiplo inverteu por áreas como arquitetura e música, mas ela focou seu trabalho na imbricação de texto e imagem. “Desde o início da aproximação de figuras e palavras até o momento em que tudo converge em uma expressão única: pintura é poema e pintura é poema”, conta Yara Augusto.

Ela acrescenta que Xul Solar não acredita que pintura e literatura possa competir. Não havia interdições para uma aproximação entre as linguagens na busca de novas formas artísticas e mecanismos de comunicação. Filho de mãe italiana e pai alemão, o artista foi fruto, na visão de Yara, da chamada “cultura da mescla”, que marcou a Argentina no início do século 20.

Doze anos passados na Europa contribuíram para seus reflexos sobre a identidade latino-americana e para o desenvolvimento de seu projeto de estética. “Para países como o continente em frente ao domínio da produção cultural europeia, o artista criado ou neocriolo, idioma que mistura espanhol, português e inglês”, revela Yara Augusto.

Xul Solar vivia intensamente o idioma: converse e escreva em neocrólio, e use como palavras em suas pinturas, ou denuncie a influência de movimentos como cubismo e expressionismo. Conhecedor de 11 línguas, invente ainda um segundo idioma, de caráter universal, uma panlíngua. “Essa faceta mostra seu gosto pela manipulação de linguagens, pelo deslocamento do significante”, diz Yara.

Quatro fases

A aproximação de texto e imagem na obra de Alejandro Xul Solar, divide a produção em quatro fases, de acordo com o trabalho de Yara Augusto. A primeira é a pintura legendada: ele encaixa suas pinturas em cartões e punha nas bordas títulos e assinaturas que influenciam a fruição da obra. Na fase da pintura verbal, uma escritura passou para avançar para o centro da obra. “O texto se torna personagem e a pintura adensa seu caráter narrativo, ao exibir mitos pré-colombianos, por exemplo”, conta a pesquisadora.

Os trabalhos da terceira etapa delimitada pela dissertação são dominados pela escritura, composta por grafias herméticas. “Sobressai aí a fisicalidade da linguagem, ele passa a ressaltar o significante e ofuscar o significado. O que era semântico se torna principalmente plástico ”, define Yara.

Na última fase de sua produção, Xul Solar resgata as características das etapas anteriores numa “escritura pictural singular”, de acordo com a pesquisadora. Pouco antes de morrer, o artista desenvolveu alfabetos muito pessoais, e seus quadros de então podem ser compreendidos como poesia visual. “Ele escolhia textos que traduzia para o neocriollo e, daí, para os novos alfabetos gráficos, que ganhavam tratamento plástico”, explica Yara.

A capacidade de criação de Xul Solar se materializou também numa tabela de correspondência entre as artes e num jogo-dicionário da panlíngua, elaborado sobre um tabuleiro que combina signos diversos – letras, números, notas musicais, cores, entre outros. “O Panajedrez é um objeto artístico sincrético, espécie de tábua de conhecimento que projeta uma escritura pansemiótica. Obra labiríntica como a literatura de Jorge Luis Borges, que foi seu vizinho e amigo”, conclui Yara Augusto.

Dissertação: Por uma escritura pictural: texto e imagem na arte de Alejandro Xul Solar
De Yara dos Santos Augusto Silva
Orientada por Vera Lúcia de Carvalho Casa Nova 
Programa de pós-graduação em Estudos Literários, na Fale
Defendida em 24 de fevereiro de 2011

Itamar Rigueira Jr.