“A literatura será uma escolha entre muitas”
Especializada em estudos culturais, literários e teorias do pós-colonialismo, uma pesquisadora Diana Brydon, da Universidade de Manitoba, no Canadá, diz que uma ópera de globalização em dois eixos. Por um lado, a ampliação da comunicação entre indivíduos, fazendo-os pensar no mundo como um espaço homogêneo. Afinal, fomente o desejo de pessoas em saber mais sobre outras partes do mundo, porque desejar fazer comércio, viajar ou simplesmente mover-se pela curiosidade e respeito por outras culturas. Por outro lado, uma globalização estimula um movimento de valorização das identidades locais e das diferenças.
No início do mês, Diana esteve na UFMG para palestra ministerial sobre mobilidade do conhecimento na era digital, na abertura do colóquio sobre migrações literárias da Faculdade de Letras e concedeu a seguinte entrevista ao BOLETIM:
As mídias digitais libertaram a literatura do suporte do papel e abriram novas possibilidades para a criação e a experimentação. Em uma época de narrativas transmidiáticas, croudsourcing e microcontos no Twitter, como definir a literatura?
A literatura está em constante metamorfose. Minha definição é ampla, pois inclui narrativas para telefones celulares, Twitter, posts em mídias sociais. A literatura é a criação imaginativa de indivíduos e comunidades que desejam contar suas próprias histórias ou brincar com palavras e imagens. Ainda há espaço para longos romances, mas a literatura está respondendo às novas mídias: mais e mais pessoas escrevem para esses meios, permitindo aos leitores traçar seu próprio caminho ao longo das histórias, que encontrem seus próprios finais, incorporando imagens visuais e sons ao longo do texto. A pesquisadora Katherine Hayles, autora do livro How we became posthuman, fala sobre como vivemos em uma cultura da convergência. As pessoas ainda precisam das formas profundas e engajadas de leitura que um longo romance demanda, mas vem ocorrendo uma forma de hiperatenção, na qual se podem ler muitas coisas ao mesmo tempo, exercendo a multitarefa – e essa é uma nova maneira de leitura que tem se desenvolvido como resposta.
A experiência de leitura mudou. Ler, agora, não significa apenas “ler”, na tradicional acepção da palavra...
A leitura, agora, pode envolver audição e sensações de formas diferentes daquelas às quais estamos acostumados. Ainda chamamos esse processo de leitura, mas podemos ler com hiperatenção ou podemos ler com uma profunda e imersiva atenção. A leitura está mudando, a literatura está mudando e a escrita também. O que queremos dizer com escrita envolve, cada vez mais, vídeos ou fotos, mas a literatura sobreviverá enquanto as pessoas quiserem se comunicar umas com as outras. A literatura é uma forma estruturada de comunicação.
A literatura tem perdido espaço para outras formas de expressão?
Sim. Certas pesquisas sobre jovens americanos sugerem que eles têm gastado mais horas navegando na internet e assistindo TV do que lendo. Mas a literatura foi, durante a maior parte de sua história, uma ocupação principal, que se democratizou no século 19, em certos países, mas não globalmente. Agora, ela não é mais a principal forma de dar vazão à imaginação, pois precisa dividir espaço com filmes e outras mídias, como os games, por exemplo.
No dia a dia de escolas e universidades, como os professores devem lidar com essa relativização da literatura?
Precisamos continuar ensinando sobre romances, poemas e peças de teatro, porque as pessoas querem descobrir esses tipos literários, mas não sabem onde procurá-los. Há tanta informação que é difícil saber quais seriam os bons livros. Além disso, o que se encontra vem, em geral, do mainstream. Ensino novelas do Caribe, da África, da Índia, do Pacífico Sul; as pessoas na América do Norte não sabem onde achar esses livros. Sendo assim, é nosso papel prover os alunos de algo a que eles não terão acesso em outro lugar.
Há tanta informação disponível que as pessoas não sabem o que ler e sequer procurar...
Exatamente. Essa ideia de cultura da convergência é a de que a literatura sobreviverá, mas em consonância com todas essas outras mídias. Ela será uma escolha entre muitas. Mas como a literatura fornece uma experiência tão rica, creio que ela sobreviverá. Enquanto houver professores para ensiná-la, haverá leitores para apreciá-la.
A democratização do acesso à informação propiciada pela internet leva, necessariamente, a uma maior produção de conhecimento?
Precisamos democratizar a educação, para que ela se torne disponível a todas as pessoas, em todas as partes do mundo – e a mesma situação ocorre com a internet, que também não é acessível a todos. Mas o mais importante é possibilitar que cada um desenvolva suas capacidades críticas. Acredito que as pessoas possam aprender em grupos, por si próprias. No entanto, embora a educação formal não seja condição intrínseca ao aprendizado, as escolas podem otimizá-lo. Todo mundo tem a capacidade de aprender, mas ela precisa ser estimulada e formatada.
Como expressões literárias locais encontram voz em uma sociedade na qual a globalização não se dá de maneira homogênea?
Acreditar que mais traduções devem ser feitas - em vez de traduzir tudo para inglês, deve traduzir o português para chinês, por exemplo. Há aspectos positivos e negativos no respeito à globalização, mas eu não acredito que ela irá, matar, matar línguas minoritárias; não crie que precisemos nos homogeneizar em uma única cultura.