Subtraídas pelo lixão

Expansão do ensino superior público: é preciso desobstruir a discussão

 

No Brasil, a cada final de ano, milhões de jovens são mobilizados pelo Enem e pelos vestibulares, todos querendo garantir vagas nas instituições públicas e particulares de ensino superior. No entanto, como ocorre há décadas, apenas uma fração desses jovens alcança seu objetivo, pois as vagas disponibilizadas são insuficientes e, em sua maioria, ofertadas pela rede privada de ensino, que, apesar do apoio crescente do Estado, oferece um ensino de qualidade não poucas vezes duvidosa e cobram mensalidades que assombram as famílias.

 

Em que pese o substancial aumento da oferta de vagas nas últimas duas décadas, bem acima do crescimento da demanda, apenas em torno de 15% dos jovens brasileiros, entre 18 e 24 anos, estão cursando o ensino superior. E menos de um quarto deles está matriculado no ensino superior público. Enfim, mais de 75% das vagas no ensino superior brasileiro são privadas, e quase 50% delas contam com algum tipo de financiamento público, capitaneado, notadamente, pelo Fies e pelo Prouni.

 

A situação brasileira contrasta com a de nações em situação econômica equivalente à nossa. De um modo geral, em boa parte dos outros países, o percentual de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior ultrapassa a taxa de 50% – em alguns chega a mais de 80% –, e a taxa de participação do setor público também alcança patamar superior aos 50% das vagas ofertadas. Nesse quesito, aliás, a situação do Brasil é melhor apenas que a de meia dúzia de países.

 

O aumento da oferta de vagas públicas propiciado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e pela ampliação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica não foi suficiente para atender à demanda nem para impedir a redução da participação relativa do setor público no conjunto da oferta ao longo dos últimos 15 anos (de 32%, em 2000, para menos de 24% nos dias atuais).

 

Se a expansão é imperativa, não menos importante é repensar o ensino superior público brasileiro. Tanto o modelo universitário quanto o que rege os institutos de educação profissional, científica e tecnológica podem, por razões variadas, não ser os melhores para realizarmos uma efetiva ampliação da oferta de vagas públicas no ensino superior.

 

O primeiro, o modelo universitário, preconiza uma formação acadêmico-científica para o atendimento das necessidades do desenvolvimento científico-tecnológico do país, mais do que modelo de formação profissional e de massa. É difícil e desnecessária sua expansão para todos os jovens brasileiros. Trata-se de um modelo muito caro, pois demanda altos investimentos em laboratório e pesquisa, que contrastam com o baixo número de alunos por docente e baixa carga horária semanal de aula por docente. E não é a maioria da juventude que deseja um ensino talhado para formar cientistas.

 

Por outro lado, o modelo híbrido dos institutos, que reúnem, em uma mesma instituição, a educação básica e a superior, pode ser contraproducente para os dois lados: corre o risco de deixar de oferecer uma boa formação básica, profissional e tecnológica e de não conseguir, de fato, potencializar uma formação profissional superior para um percentual expressivo da população jovem, se é que essa já foi, algum dia, uma vocação cultivada pelo seu corpo discente e técnico.

 

Se queremos mesmo expandir significativamente o ensino superior público, atendendo a uma expressiva parcela de nossa população jovem, e, de quebra, criar condições políticas e institucionais para empregar devidamente os recursos hoje desviados pelo Estado para o financiamento da rede particular, precisamos desobstruir os canais que impedem a discussão sobre a possibilidade de uma rede de ensino superior público não universitário no Brasil.

 

A esse respeito, é importante considerar que em todo o mundo, quando se quis de fato expandir o ensino superior, inclusive o público, o modelo escolhido não foi o universitário, por ser caro e contraproducente para os objetivos de formação. Por outro lado, não há evidências que demonstrem que não seja possível fazer um ensino superior público não universitário de qualidade. Não há por que considerar que a qualidade no ensino superior seja inerente ao ensino universitário, como ocorre no Brasil.

 

Uma das justificativas dos críticos à quebra do modelo universitário que vigora entre nós é que, assim fazendo, estaríamos criando um sistema público duplo: o universitário para as classes médias e o não universitário para as classes trabalhadoras. Há de se ponderar que, de um modo geral, isso já ocorre hoje entre a rede pública e a rede particular. Ademais, há de se perguntar se a manutenção do modelo atual não seria mais danosa justamente para as camadas populares e, de resto, para o conjunto da sociedade brasileira.

 

Ao ser inventado e expandido, o nosso ensino superior público manteve as características de nossa cultura política autoritária e das práticas de gestão que beneficiam uma minoria privilegiada. As universidades, não custa lembrar, sempre foram uma demonstração cabal disso. As políticas de expansão e ações afirmativas estabelecidas nas últimas décadas – que criaram novas condições de acesso e de permanência para parcelas das juventudes populares que não frequentavam nossas universidades – não podem nos fazer esquecer o fundamental: no atual modelo, os incluídos são poucos. A maioria esmagadora das juventudes pobres continua fora desse ambiente.

 

Versão ampliada deste artigo foi publicada como editorial do Pensar a Educação em Pauta, edição 105, de 13 de novembro de 2015
 
Professor titular da Faculdade de Educação e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022
 

Luciano Mendes de Faria Filho