Jogando com a voz
Livro de professor da Belas Artes mostra como os jogos tradicionais abrem portas para a descoberta das capacidades vocais
O professor Eugênio Tadeu Pereira, da Escola de Belas Artes, faz dos jogos uma prática constante desde a adolescência. Quando lecionou no Centro Pedagógico, da UFMG, criou o laboratório de brincadeiras Pandalelê. Mais tarde, quando se tornou professor da graduação em Teatro, dedicado à área de estudos vocais e musicais, não deu outra: resolveu investigar a pertinência de se explorar os jogos tradicionais na formação vocal de atores e professores, entre outros profissionais das artes cênicas.
Sua pesquisa, desenvolvida no doutorado em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da USP, pode ser conhecida agora no livro Práticas lúdicas na formação vocal em teatro (editora Hucitec). O trabalho prático foi realizado durante um semestre com alunos de uma disciplina do segundo período. "Percebia que os alunos travavam na hora de aprender técnicas vocais e imaginei que o jogo poderia tornar esse processo mais fluido", diz Eugênio Tadeu, que escolheu os jogos tradicionais populares para as atividades com a turma.
O autor lembra que o jogo é algo muito próximo ao fazer artístico. "No jogo e na arte, não se pode prever o resultado. São atividades que proporcionam a exploração do risco, o tentar de novo, a experimentação. Ambas envolvem, ao mesmo tempo, prazer e tensão", explica Tadeu, que lançou mão da leitura de teóricos como John Huizinga e Roger Caillois.
Segundo ele, a atração exercida pelos jogos tradicionais populares se mostra eficaz ao facilitar a exposição e, por consequência, a exploração dos elementos sonoros e vocais (timbre, altura, duração e intensidade). Mas a pesquisa, aliada à experiência do professor, concluiu também que "os jogos e brincadeiras não dão conta de tudo" – eles constituem instrumento de apoio ao ensino dos procedimentos técnicos.
Prática e protocolos
O livro de Eugênio Tadeu Pereira descreve a metodologia da pesquisa, que conjugou, entre outros elementos, leitura de textos reflexivos elaborados pelos próprios alunos com base em referências teóricas, a realização de protocolos (manifestações não literais sobre o que ficou da última aula), registros audiovisuais e a prática dos jogos. O autor garante que a experiência aprimorou suas aulas, "reafirmou a importância da conexão entre o que se lê e o que se faz e deixou o caminho mais claro e mais sistematizado".
Eugênio Tadeu utilizou jogos como Bate o monjolo – com potencial para a prática de ritmo, atenção e afinação –, Casinha de bambuê – parlenda que auxilia na compreensão rítmica e tímbrica e proporciona diferentes andamentos musicais – e Mamenê – que potencializa a criação e a execução de melodias, em contraponto sobre uma base sonora.
Para explicar a forma como uma brincadeira pode ajudar na formação vocal, o autor dá o exemplo de "pular corda". Não é simples conciliar os saltos com a entonação de um cântico ou de uma fala. Um exercício desafiador é manter o pulso musical livre da influência do andamento e do ritmo do movimento. "O treino para fazer a dissociação durante uma brincadeira como essa abre a percepção do aluno e aumenta sua capacidade de se relacionar com os diferentes estímulos da cena", afirma Eugênio Tadeu.
Músico, integrante do grupo Serelepe, vinculado à Escola de Belas Artes, Tadeu tem como referência para seus estudos de som e voz a pesquisa realizada em parceria com Miguel Queiroz, visando às performances do Duo Rodapião. Ele comenta que levar os jogos e brincadeiras populares para a sala de aula tem aberto "a possibilidade de os alunos experimentarem a técnica com a leveza do jogo, não para tornar mais fácil, mas para enfatizar o valor do risco e da exposição e a importância de se apropriar do uso da voz em cena e na condução de uma aula"
Livro: Práticas lúdicas na formação vocal em teatro
Autor: Eugênio Tadeu Pereira
Editora Hucitec
270 páginas / R$ 37 (preço de capa)
Lançamento: 24 de novembro, das 19h às 21h, na livraria
Café com Letras (Rua Antonio de Albuquerque, 781)