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Mozart no dentista
Motorzinho Sinfônico
Pesquisa na Odontologia constata que música clássica reduz ansiedade das crianças em tratamento dentário
A dentista Marcela de Oliveira Brant tinha uma motivação para sua pesquisa de mestrado: descobrir uma forma de diminuir a ansiedade das crianças que começam a experimentar um tratamento dentário. Ela sabia que, no Brasil, cerca de 40% das crianças de quatro a 12 anos ficam ansiosas na cadeira do dentista. Estava ciente também de que a Sinfonia 40 em sol menor K550, de Wolfgang Amadeus Mozart, tem efeito relaxante comprovado em situações de internação hospitalar. Resolveu juntar essas informações e empreendeu, com orientação da professora Júnia Serra-Negra, da Faculdade de Odontologia, a primeira pesquisa no Brasil sobre a aplicação da música como método de distração e redutor da ansiedade no atendimento odontopediátrico.
A ansiedade é um obstáculo aos cuidados de saúde bucal, um desafio epidemiológico, principalmente em odontopediatria
A análise estatística dos dados – extraídos de medições de frequência cardíaca e saturação de oxigênio – revelou que o método funciona: o uso da música é um recurso seguro e eficaz, de custo baixo e execução simples. “A ansiedade é um obstáculo aos cuidados de saúde bucal, um desafio epidemiológico, principalmente em odontopediatria”, lembra Marcela Brant. “O desconforto causado, por exemplo, pelos ruídos de alguns equipamentos pode causar adiamento de consultas, o que gera impacto negativo na vida do indivíduo. Além de aliviar tensões, a música reduz ou abafa os ruídos incômodos de um ambiente odontológico”, acrescenta.
A pesquisa teve a participação de 34 crianças de quatro a seis anos de idade, das cidades de Brumadinho e Confins, que nunca haviam frequentado consultórios odontológicos. Todas tinham duas lesões de cárie nos segundos molares de leite, e cada uma delas passou por três sessões de atendimento: ficha clínica e exame clínico (sem música); consulta para restauração de um dente, ouvindo música, com utilização da técnica Tratamento Restaurador Atraumático Modificado*, sem anestesia; consulta para restauração de outro dente, sem música. Foi um ensaio clínico cruzado, porque todos os pacientes passaram por atendimento com e sem música – neste último caso, cada criança foi controle dela mesma.
Marcela Brant foi a única dentista que atuou na busca das crianças e no atendimento propriamente dito. Ela contou com apoio de duas auxiliares de saúde bucal das unidades básicas de saúde onde foram realizados os atendimentos, devidamente treinadas para procedimentos como registro das medições de frequência cardíaca e saturação de oxigênio.
Três medições
Nas intervenções com música, as crianças utilizaram fones de ouvido, protegidos com plástico descartável, e o volume da música foi ajustado para que o paciente pudesse ouvi-la de maneira clara, sem comprometer a compreensão das instruções da pesquisadora. Os níveis de ansiedade foram medidos com o uso de um oxímetro de pulso colocado no dedo indicador da criança.
A professora Júnia Serra-Negra explica que, em cada sessão, foram feitas três medições: a primeira, assim que a criança se sentava na cadeira; uma intermediária, quando a dentista ligava o motor de rotação para retirada do tecido cariado; a última, quando o dente havia sido restaurado. “Variações nesses marcadores biológicos indicam ansiedade porque, nesse estado, respiramos mais rápido, e os índices de oxigenação e frequência cardíaca aumentam”, informa a professora
Foram três consultas clínicas consecutivas, com duração de cerca de 25 minutos e intervalos de sete dias. Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Coep) da UFMG, a pesquisa está registrada na base internacional de ensaios clínicos Clinical Trial – até o momento, é o único estudo brasileiro sobre o tema.
Marcela Brant mantém a linha de pesquisa no doutorado. Na próxima etapa, serão selecionadas crianças que necessitam de extração de dentes, procedimento que gera ainda mais estresse. A ideia é continuar estudando a influência da música em ensaio clínico com a mesma metodologia utilizada durante o mestrado.“É muito importante eliminar ou reduzir a ansiedade relacionada ao tratamento dentário ainda na infância. Se esse sentimento se perpetua, a pessoa tenderá a procurar tratamento apenas em último caso, e não com objetivo de prevenção”, justifica a pesquisadora.
*O ART (da sigla em inglês), tratamento reconhecido pela Associação Brasileira de Odontopediatria, é procedimento de mínima intervenção, que não inclui anestesia local e é aplicado na abordagem de lesões de cárie de dentina. O dentista utiliza instrumentos rotatórios (micromotor e contra-ângulo, o famoso motorzinho) e manuais (colher de dentina) para remoção do esmalte dental sem sustentação e melhor acesso à cavidade dental. Segundo Marcela Brant, a técnica é especialmente indicada no tratamento de lesões cariosas em crianças em idade pré-escolar.