Este remédio funciona?

Com a lupa na mídia

Pesquisadores da UFMG vão adotar no Brasil metodologia australiana de análise de conteúdos de saúde produzidos por veículos de comunicação

Matérias jornalísticas sobre novos medicamentos, tecnologias e procedimentos em saúde nem sempre revelam os aspectos mais importantes – sobretudo os negativos – do tema que abordam. Preocupados com a qualidade da informação em saúde consumida pela população brasileira, pesquisadores da UFMG decidiram adotar no país a metodologia Media Doctor, criada na Austrália e disseminada em países como Estados Unidos, Canadá e Japão. Coordenado pelo professor Augusto Guerra, do Departamento de Farmácia Social, o projeto de pesquisa financiado pelo Ministério da Saúde tem lançamento previsto para setembro, em site no qual serão publicadas avaliações semanais de conteúdos da mídia nacional impressa e eletrônica.

A análise será feita por equipe multidisciplinar, formada, sobretudo, por farmacêuticos vinculados ao Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCates), sediado na Faculdade de Farmácia. Serão examinados critérios como segurança, custo, alternativas, novidade, disponibilidade da intervenção ou produto, quantificação de benefícios e de riscos e independência da informação. Experiências internacionais mostram que menos de 10% das matérias alcançaram avaliação “cinco estrelas”, ou seja, abordaram adequadamente esses pontos. Segundo Augusto Guerra, a indústria muitas vezes cria e dissemina conceitos com a intenção de gerar e desenvolver mercados de consumo, o que mostra a importância de um monitoramento das informações por especialistas. 

“O objetivo não é trazer a informação correta, mas indicar o que está faltando na matéria original. Associo o Media Doctor a uma qualificação das matérias jornalísticas de veiculação leiga e à disseminação de contrainformação, para prover uma visão de outra parte”, explica o professor. Além de alertar o consumidor – identificando também as notícias que parecem ser financiadas pela indústria –, o projeto pretende mostrar aos veículos de comunicação que eles são alvos de monitoramento, o que pode, com o tempo, resultar em aumento da qualidade dos conteúdos publicados, acredita o professor. “Já que vamos acompanhar sempre os mesmos veículos, o projeto terá uma característica de coorte. Assim, podemos observar se as avaliações e recomendações estão sendo incorporadas às novas produções jornalísticas”, pondera. Em sua opinião, o projeto tende a auxiliar os jornalistas que produzem matérias de interesse social a esclarecer melhor o consumidor.

Equipe do professor Augusto Guerra (em primeiro plano) se reuniu com representantes do Ministério da Saúde para discutir detalhes do projeto
Equipe do professor Augusto Guerra (em primeiro plano) se reuniu com representantes do Ministério da Saúde para discutir detalhes do projeto Foca Lisboa / UFMG

Parceria

Depois de fazer revisão de literatura, a equipe coordenada por Augusto Guerra está adaptando à realidade brasileira o método de investigação desenvolvido em outras universidades. O passo seguinte à criação do site será a composição da amostra de veículos cujas matérias relacionadas ao tema saúde serão submetidas periodicamente à avaliação. “Por fim, analisaremos se o trabalho teve algum impacto, seja nos consumidores, seja nos veículos”, relata o pesquisador. Atualmente, o projeto está na fase de definição de processo e de instrumentos. “Acabamos de validar com a equipe do Ministério da Saúde. Portanto, acredito que, em setembro, teremos as primeiras divulgações semanais de todas as notícias sobre saúde publicadas em cerca de dez veículos de comunicação, em sua maioria da mídia escrita”, prevê. Além de sinopse de cada notícia, com nota representada por número de estrelas, o site vai divulgar dados sobre a equipe que a avaliou, comentários sobre os critérios utilizados e link para o veículo no qual a notícia foi publicada.

Augusto Guerra também está estabelecendo parceria com pesquisadores da Universidade de Minnesota, responsável pelo Media Doctor nos Estados Unidos, a fim de agregar experiências ao projeto. Ao lembrar que os veículos de comunicação não estão habituados a se submeter à avaliação científica das matérias que produzem, o professor da UFMG enfatiza a importância de conhecer iniciativas mais antigas, especialmente dos Estados Unidos, país caracterizado por “ambiente muito judicializado”. “Acreditamos que se houver algum conflito, eles já saibam lidar com o problema”, explica.

Possibilidade de comparar

O Media Doctor foi criado na Universidade de Newcastle (Austrália) por pesquisadores da empresa pública responsável pela comunicação de saúde do país, com o objetivo de verificar como a imprensa publica evidências em saúde. Na revisão de literatura, a equipe da Faculdade de Farmácia observou que, embora haja variabilidade nos critérios adotados pelos diversos países que mantêm o programa, os métodos utilizados e a forma de apresentação dos resultados são muito semelhantes, o que possibilita comparação internacional. A seleção dos veículos monitorados pela equipe coordenada por Augusto Guerra será feita com base em dados da Pesquisa Brasileira de Mídia, que identifica hábitos da população do país relacionados ao consumo de comunicação. 

Ana Rita Araújo