O futuro em jogo

De impasse e oportunidades

Em livro, Leonardo Avritzer discorre sobre os entraves ao aperfeiçoamento da democracia brasileira

Capa do livro Impasses da democracia no Brasil

Reprodução

O regime democrático encerra um curioso paradoxo: para se legitimar como tal, precisa oferecer liberdade também àqueles que nele atuam colaborando para fazer o próprio regime ruir. Não por outro motivo, a busca da democracia por alcançar a sua plenitude nunca se completa: como no paradoxo de Zenão, dá-se a cada dia um novo passo à frente, mas sabendo-se de antemão que nunca será possível alcançar o destino almejado – a plena democracia.

Ainda assim, “o Brasil encontra-se no rol das nações com democracias fortes e consolidadas”. É o que afirma o professor Leonardo Avritzer, do Departamento de Ciência Política da Fafich, no livro Impasses da democracia no Brasil, recém-lançado pela Civilização Brasileira. No instant book, o cientista político mapeia justamente aquilo que, na especificidade brasileira, insiste em agir na contramão dessa consolidação, obstando nossa caminhada rumo a uma democracia mais sofisticada.

Para Avritzer, os impasses vividos pela democracia brasileira se relacionam a cinco elementos principais: aos custos que resultaram no esgotamento do presidencialismo de coalização; à dificuldade de se estabelecer meios mais efetivos para a participação popular na política; às dificuldades inerentes ao combate à corrupção, uma vez que os corruptos notórios são os que detêm o poder de inviabilizar esse combate; à perda de status dos estratos médios, que ficaram mais próximos das camadas populares depois do reordenamento social provocado pela queda da desigualdade e à politização do Judiciário.

Com base em dados relacionados a esses impasses, o cientista político da UFMG sugere que as instituições brasileiras ainda não são capazes de operar a máquina pública a contento, de forma a direcionar o país para o caminho que ele almeja trilhar.  “Temos um Congresso que já não se pauta por nenhum elemento de moralidade pública, um Judiciário que se mostra fortemente politizado, um Executivo cujo presidente, interino, propõe-se a fazer mudanças na própria ordem constitucional do país”, exemplifica ele, citando ainda as dúvidas que recaem sobre a legalidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff. 

Soluções institucionais

Avritzer concluiu a redação do livro em dezembro de 2015, cinco meses antes da definitiva instauração do processo. Na conclusão da obra, o autor já registrava seu ceticismo em relação aos trâmites que então se iniciavam. “No momento em que este livro está sendo concluído, uma grave violação de procedimentos democráticos ocorreu na eleição da comissão do impeachment na Câmara dos Deputados. Foi estabelecido o voto fechado, que contraria o princípio da publicidade. Esse procedimento terminou suspenso pelo STF, mas o fato de ele ter sido posto em prática põe em dúvida a manutenção de procedimentos democráticos”, adiantou.

Quando escreveu o livro, Avritzer considerava que a democracia brasileira vivia um impasse. Hoje, dado o quadro atual, o cientista já lê o cenário como crítico. “Eu não queria usar a palavra crise no título, achava que não era o caso, mas hoje a crise política tem fortes elementos incidindo sobre as instituições. Se ela vai se estabelecer como uma crise da democracia, isso vai ser mais claramente colocado nos próximos anos”, diz.

Com foco nos desdobramentos ocorridos após a obra ir ao prelo, Avritzer está escrevendo um posfácio para a segunda edição  – a primeira está esgotada. O nome? Dos impasses à crise da democracia. “Quando se fala em impasse, entende-se que, face ao desafio, a institucionalidade vai funcionar positivamente, colaborando para a superação dos problemas. Mas não é o que temos visto acontecer. O que vemos são as próprias instituições aprofundando a crise em que elas mesmas estão envolvidas, em vez de colaborarem para resolvê-la.”

Se as crises representam, ao mesmo tempo, perigo e oportunidade, o livro sugere que talvez seja o tempo de se transformar os impasses do presente em oportunidades para a construção de uma democracia mais consistente. O caminho, Avritzer indica na conclusão de sua obra: “É necessário tratar os problemas com soluções institucionais".


Livro: Impasses da democracia no Brasil

Autor: Leonardo Avritzer

Editora: Civilização Brasileira 

154 páginas / R$ 29,90

Ewerton Martins Ribeiro