PNPG: entre o diagnóstico e a realidade*
O quadro em que se inscreve a sexta edição do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG 2011-2020) tem como lastro os planos anteriores, os legados históricos, o momento atual do país, os desafios que despontam e os grandes gargalos que nos ameaçam. Vivemos em um país que cultua o jeitinho e descrê de planos e ações concertadas. Trata-se, sem dúvida, de um caldo de cultura que não favorece iniciativas como as ensejadas por eles e de um país de mercadores e de predadores, não exatamente de inovadores e provedores.
Com esses obstáculos, a Capes e seus planos abriram caminho e protagonizaram mudança profunda na educação brasileira, ao criar o Sistema Nacional de Pós-graduação (SNPG). E o que é importante: num espaço de 50 anos e numa instituição como a universidade, que está habituada a medir suas ações e seus resultados com parâmetros mais dilatados, lastreados na cultura, nos laboratórios e no ethos.
Muitas propostas dão continuidade ao quinto plano e continuam válidas, como o combate às assimetrias, a ênfase na inclusão social e a busca da internacionalização. Não faltaram inflexões importantes na avaliação e nas ações estratégicas, baseadas na proposta de criação de uma agenda nacional de pesquisas, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs).
O fracasso e a meia-vitória, e não apenas o êxito, estão inscritos no horizonte da ação e dos planos, e todo cuidado será pouco. -Assim, junto com a esperança e o otimismo, não escondemos nossos temores e reservas, visto que reconhecemos que o país está mal preparado, poderá fechar a janela da oportunidade e, mais uma vez, perder o bonde da história. Não por causa dos planos ou por falta deles – que aqui não estão em jogo –, mas devido à incúria política dos governantes e de nossos legados históricos, que são pesados e incontornáveis e tendem a trancar toda perspectiva que se abre.
Se faz bem para a nossa autoestima a ideia de que Deus nos abençoou e a natureza nos brindou com recursos naturais invejáveis, sabemos, em contrapartida, que somos pouco operosos e um passado colonial e pós-colonial por demais cruel deixou o nosso povo despreparado. O resultado é conhecido e avassalador: os déficits em recursos humanos, os gargalos imensos no sistema de ensino e os gaps culturais profundos do brasileiro médio, tanto das elites quanto do povo, agravados pela corrupção endêmica, nunca punida no meio político, que solapa a confiança nas instituições e condena o futuro da nação.
À vista disso, o Plano definiu as seguintes diretrizes a serem implementadas por ações específicas, induzidas pelos governos e comunidade:
• estímulo à formação de redes de pesquisa e pós-graduação, na fronteira do conhecimento, com vistas à descoberta do ‘novo’ e do inédito;
• ênfase nas questões ambientais, em busca do desenvolvimento sustentável e o uso de tecnologias limpas;
• garantia do apoio ao crescimento inercial do SNPG;
• atenção às atuais gerações de crianças e jovens, particularmente nas áreas de saúde e educação, por meio de ações que favoreçam o ensino básico e superior com a participação da -pós-graduação.
Uma das urgências é vencer o grave déficit de cultura de inovação que atinge o empresariado nacional e a universidade brasileira, resultando em nossa dificuldade secular de transformar ciência em tecnologia, cujo sinal mais evidente é a indigência em patentes.
No Brasil, há aulas demais e pesquisas de menos. Na pesquisa, o taylorismo campeia, o que levou a quantidade a triunfar sobre a qualidade. Prevalece o ensino da imitação, e a pesquisa está estacionada no eixo da incrementação, de modo que todo o esforço a ser feito deverá justamente passar para o espaço de três dimensões, fazendo aparecer a coordenada da criação, para deixarmos de ser um país meramente consumidor e difusor de C&T e passarmos a ser produtor e criador. Apesar do crescimento expressivo em número de publicações, o impacto da produção científica brasileira, nos últimos 35 anos, está em torno de 0,6, abaixo da média mundial de 1,0.
Passados quase seis anos, ainda à espera de melhores resultados, nossa convicção é de que o PNPG fez o diagnóstico certo e propôs as medidas adequadas; porém, quem fez o Plano não tem o poder de executá-lo. O sucesso ou o fracasso do sexto PNPG dependerá de sua capacidade de atrair ou não a comunidade acadêmica e a sociedade civil organizada. Fincado num ambiente mais favorável, o Plano, com a nossa ajuda, descerá das prateleiras, servirá de guia para as ações e poderá converter-se em realidade, tendo ainda quatro anos pela frente ou oito para se adequar ao Plano Nacional de Educação (PNE).
Em 3 de dezembro do ano passado, o parecer CFE 977/1965, conhecido como Parecer Sucupira, que conceitua e normatiza os cursos de pós-graduação no Brasil, completou 50 anos. Na mesma época, escreveu o poeta Thiago de Mello, em seu Os estatutos do homem: “Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.” Até lá, ainda nos faltam razões para comemorar.
*Artigo baseado em depoimento concedido durante o seminário Cinquenta anos da pós-graduação no país: impactos, resultados e desafios, em 10/12/2014, e em excertos do artigo O PNPG 2011-2020: Os desafios do país e o Sistema Nacional de Pós-Graduação, escrito em parceria com o professor Ivan Domingues, publicado no periódico Educação em Revista, de setembro de 2012
(Francisco César de Sá Barreto - Presidente da Comissão Nacional de Elaboração do PNPG 2011-2020. Professor emérito do Departamento de Física do ICEx. Foi reitor da UFMG na gestão 1998-2002)