Bento Rodrigues: natureza, patrimônio e identidade
Em seus primórdios, a humanidade viveu em harmonia com a natureza, da qual dependia para sobreviver, evoluir biologicamente e perpetuar sua espécie, principalmente na chamada Pré-história. Na Antiguidade, com o advento da agricultura e do pastoreio, essa relação transformou-se. No Medievo, os feudos manejavam diretamente as terras agricultáveis, os remanescentes florestais e a caça, porém citadinos burgueses já inauguravam novos modos de vida consolidados com as ideias iluministas. Com o Renascimento, as revoluções culturais e as novas formas de agir e pensar tornaram a sociedade ocidental mais antropocêntrica, aspecto que se fortaleceu com a Revolução Industrial, por meio da qual o homem rompe com ciclos e elementos naturais.
Com o advento do sistema urbano-industrial capitalista, os meios naturais são explorados sem limites ou preocupações, atendendo aos ditames desenvolvimentistas insustentáveis. Gradativamente, a natureza sinaliza desequilíbrios, que se agravam, década após década, intensificando “normalidades” e concebendo inevitáveis problemas como desmatamento, extinção de espécies e mudanças climáticas. Esses fenômenos afetaram a integridade e a qualidade de vida dos diversos agrupamentos humanos e geraram, a partir da década de 1970, questionamentos e mobilizações em prol de mudanças efetivas. Surgiram discussões teóricas em âmbito mundial sobre a necessidade de se adotar mecanismos de desenvolvimento econômico aliados à justiça social e à preservação ambiental. Nascia a premissa da sustentabilidade aplicada ao desenvolvimento com vistas à construção de um futuro viável.
O desastre de Bento Rodrigues, entre Camargos e Santa Rita Durão, representou imenso desrespeito à natureza, ao patrimônio e a identidade de seus moradores, que mantinham harmoniosa conexão com o lugar em que viviam
Em Minas Gerais, a tragédia de Bento Rodrigues, provocada pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, evidenciou para o mundo distorções e conflitos ambientais tratados indevidamente. O subdistrito, importante centro de mineração do século 18, encontrava-se a 35 quilômetros de Mariana e a 124 quilômetros da capital mineira. O desastre de Bento Rodrigues, entre Camargos e Santa Rita Durão, representou imenso desrespeito à natureza, ao patrimônio e a identidade de seus moradores, que mantinham harmoniosa conexão com o lugar em que viviam. O rompimento da barragem de rejeitos varreu o vilarejo do mapa, asfixiou um importante rio e chegou ao mar.
A responsabilidade da Samarco no episódio, associada à mudança do código ambiental em Minas Gerais e às investigações do Ministério Público, indicam a importância da ecologia, geografia e história como referências no processo de retomada da questão ambiental frente a um dos maiores acidentes do Brasil. Nesse contexto, evidencia-se a importância de agentes, seja na elaboração de laudos técnicos, seja na sala de aula,para a formação de cidadãos ambientalmente ativos. Mas como a ecologia, a geografia e a história podem contribuir efetivamente com esse processo? Trata-se de disciplinas de base epistemológica, metodológica e didática que discutem a relação entre natureza, patrimônio e identidade.
Muito mais conhecido pelos aspectos econômicos do que pelos naturais, o território do Quadrilátero Ferrífero (QF) contempla milhares de impactos decorrentes da extração mineral iniciada com ouro de aluvião e consolidada com o ferro e o manganês. Na perspectiva do conflito, o espaço consolida-se como objeto de estudo e legitima a importância da preservação das paisagens, cuja análise sistemática possibilita a compreensão dos problemas elucidados por meio de seus aspectos ecológicos, geográficos e históricos. O QF reúne significativas potencialidades pedagógicas para o estudo dos meios ambiental, cultural e social na perspectiva teórica da natureza, do patrimônio e da identidade, com ênfase em elementos da ecologia, da geografia e da história.
Categorias científicas colaboram significativamente para a discussão dos processos socioambientais. São contribuições epistemológicas, baseadas na análise dos processos e nas complexidades construídas entre homem e natureza, capazes de orientar e revisar prioridades e modelos de desenvolvimento, abrindo novas perspectivas de gestão ambiental que conduzam a uma ordem global pautada pela relação menos predatória entre o espaço natural e as comunidades humanas.
Aspectos do QF, como ecologia, cultura, sociedade e múltiplas identidades, devem ser enaltecidos, inclusive o seu potencial aquífero. É de extrema urgência preservar seus aspectos abióticos (geologia, geomorfologia, recursos hídricos e clima), bióticos (fauna, flora, biodiversidade e endemismo) e antrópicos (história, patrimônio, memória e oralidade). Por fim, vale ressaltar que essa emblemática região constitui-se ainda como importantíssimo instrumento pedagógico, favorecendo o estudo do meio ambiente pela leitura das paisagens. Uma sala de aula contemporânea que deve ser conquistada e preservada para as futuras gerações
(Ludimila de Miranda Rodrigues Silva - Bacharel, mestre e doutoranda em Geografia)
(Vagner Luciano de Andrade - Bacharel em Geografia (Unibh) e mestre em Turismo)