Relógio desregulado

Decifrando Bolaño

Obra do escritor chileno ganha primeira coletânea de ensaios críticos no Brasil

No Brasil, a carreira do escritor chileno Roberto Bolaño só começou mesmo após seu falecimento, em 2003, confirmando a máxima de que, por aqui, talvez não haja melhor agente literário do que a morte do autor. Desde então, o interesse pela sua obra avançou rapidamente, de modo que hoje cerca de 70% dos seus livros já estão traduzidos no país. Agora chega às livrarias a primeira coletânea de textos críticos de pesquisadores brasileiros dedicada exclusivamente ao escritor.

Toda a orfandade do mundo: escritos sobre Roberto Bolaño foi organizado por Antonio Marcos Pereira, professor da UFBA, e por Gustavo Silveira Ribeiro, professor da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG. Reúne textos de 11 pesquisadores, entre eles Graciela Ravetti, também da Fale, e o próprio Gustavo, que ainda neste ano publicará, pela editora UFMG, o volume O drama ético na obra de Graciliano Ramos – leituras a partir de Jacques Derrida, desdobramento de sua tese de doutorado, vencedora do Prêmio UFMG de Teses 2013.

“Com seu conjunto de textos, Bolaño ajudou a renovar o interesse pela prosa latino-americana. Ele faz uma espécie de metaliteratura – uma literatura pensante, ensaísta, voltada para os próprios meios – e reinventa a forma."

Gustavo Silveira explica que, no Brasil, a acolhida à literatura do escritor chileno ainda é dispersa e fragmentada, apesar da grande popularidade da sua obra. Nesse sentido, o livro organizado pelos professores tentou mapear as zonas de recepção do autor no Brasil, a partir do investimento de tradução feito pela Companhia das Letras na última década. “Com seu conjunto de textos, Bolaño ajudou a renovar o interesse pela prosa latino-americana. Ele faz uma espécie de metaliteratura – uma literatura pensante, ensaísta, voltada para os próprios meios – e reinventa a forma. É algo diferente do que se associava à América Latina. Seus romances têm dentro de si outros romances, e com essa multiplicidade de experiências ele agrada também os leitores não especializados”, explica Gustavo Silveira.

A coletânea está organizada em três partes. Na primeira, estão reunidos os textos que tratam das relações entre literatura e violência na América Latina como um problema ético, uma marca da literatura de Bolaño. Na segunda parte, o assunto são as experimentações formais, narrativas e poéticas. A terceira parte – Biografia, recepção, reinscrição – é dedicada ao lastro biográfico possível de ser perscrutado em seus textos e ao convite à reescrita que se depreende de suas narrativas. “Bolaño se colocou como personagem de seus textos, mitificando sua biografia. Isso desperta profundamente o interesse da crítica e dos leitores e convida à reescrita. Um escritor jovem se vê tentado a escrever após ler Bolaño”, opina o organizador.

Para o crítico Karl Erik Schøllhammer, diretor do Departamento de Letras da PUC-Rio, que assina a orelha da obra, as abordagens tratadas nos ensaios possibilitam compreender “qual é a proposta de inovação da narrativa de Bolaño e a nova complexidade do formato policial” e, ao cabo disso, permite identificar “o alcance criativo de sua realização.

Schøllhammer situa Bolaño como um escritor formado no ocaso do boom da literatura latino-americana dos anos 1960 e 1970, do autoritarismo dos regimes ditatoriais e das questões surgidas nas décadas seguintes com a democratização. “Bolaño formou-se escritor contra esse processo de adequação entre a cruz do dogmatismo da izquierda militante, com sua tradução populista, e a espada das ditaduras e democracias neoliberais. Sua literatura visceral e autobiográfica cria personagens revoltadas contra o establishment de ambos os lados”, escreve o crítico.

De acordo com Schøllhammer, Bolaño produz uma literatura que combina o rigor estrutural do romance policial com o experimentalismo poético de uma escrita que trata das próprias fronteiras da literatura, “dando corpo a uma realidade latino-americana fortemente globalizada e dissolvida em termos de identidade histórica e cultural”.

O livro será lançado em Belo Horizonte no próximo sábado, dia 20, às 11h, na Livraria Quixote, localizada na Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi. Também estão previstos eventos de lançamento no Rio de Janeiro, em Salvador e em São Paulo.

Reprodução do livro, Toda a orfandade do mundo: escritos sobre Roberto Bolaño
Reprodução do livro, Toda a orfandade do mundo: escritos sobre Roberto Bolaño Ana C. Bahia

Livro: Toda a orfandade do mundo: escritos sobre Roberto Bolaño
Organizadores: Antonio Marcos Pereira e Gustavo Silveira Ribeiro
Relicário Edições
216 páginas / R$ 40

Ewerton Martins Ribeiro