Bebê no Espaço

O planeta e a estrela

Professora da UFMG integra equipe internacional responsável por uma das mais importantes descobertas recentes no campo da astronomia

Silvia Alencar em seu gabinete no Departamento de Física: observação de estrelas jovens
Silvia Alencar em seu gabinete no Departamento de Física: observação de estrelas jovens Foca Lisboa

A descoberta de um planeta recém-nascido, do tipo Júpiter quente, em torno de uma estrela jovem é objeto de artigo publicado em junho na revista Nature. Coautora do estudo, realizado com pesquisadores europeus, norte-americanos e asiáticos, a professora Silvia Alencar, do Departamento de Física da UFMG, afirma que o achado “representa passo importante para a compreensão de como se formam e evoluem sistemas planetários”. O trabalho é também a primeira comprovação observacional da teoria segundo a qual os planetas podem se aproximar de seu sol migrando pela nuvem de gás e poeira que circunda as estrelas em sua origem.

“Mostramos que esse tipo de migração através do disco, de fato, acontece, e em escala de tempo de dois milhões de anos, o que é muito cedo na vida de uma estrela do tipo solar, pois elas evoluem em bilhões de anos”, explica. Segundo ela, o grande desafio enfrentado pela equipe foi localizar planetas em torno de estrelas muito ativas, cujas manchas na superfície, provocadas por movimento de fluidos e campos magnéticos, atrapalha a detecção de objetos em sua órbita. 

“Mostramos que esse tipo de migração através do disco, de fato, acontece, e em escala de tempo de dois milhões de anos, o que é muito cedo na vida de uma estrela do tipo solar, pois elas evoluem em bilhões de anos”

O planeta descoberto pela equipe tem idade estelar equivalente à de um bebê humano de uma semana e foi batizado de V830 Tau b, por orbitar a estrela V830 Tauri, que está na região de formação estelar do Touro, a 430 anos-luz da Terra. O trabalho foi desenvolvido no Telescópio Canada-France-Hawaii (CFHT), instalado no Maunakea, vulcão adormecido na Ilha Grande do Havaí. A observação utilizou o equipamento espectropolarímetro ESPaDOnS, que possibilita mapear a distribuição de brilho e o campo magnético na superfície da estrela. 

Monitoramento regular de V830 Tau por mais de um mês possibilitou filtrar as variações em sua velocidade devidas à rotação da estrela e mapeadas através da presença de manchas quentes e frias em sua superfície, o que levou a equipe a inferir a existência do planeta. Silvia Alencar explica que, conhecendo a inclinação da órbita do planeta, ao medir a amplitude da perturbação na órbita da estrela, é possível conhecer a massa do corpo que provocou a alteração. “Quanto maior a massa do planeta e quanto mais próximo estiver da estrela, maior é a perturbação que causa na órbita da estrela e mais fácil de ser identificado”, observa. A equipe utilizou a técnica de velocidade radial, primeira usada nas pesquisas de identificação de planetas extrassolares. 

Campo magnético

Procurar planetas em torno de estrelas jovens não era o único objetivo da equipe, coordenada pelo astrônomo Jean-François Donati, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), da França. O projeto, de longo prazo, é estudar a evolução do campo magnético e da rotação de estrelas jovens. Silvia Alencar explica que uma em cada cem estrelas maduras tem um Júpiter quente em sua órbita. “Estrelas antigas já foram muito observadas, mas não se sabe qual a estatística para as jovens. Como tínhamos tempo limitado de uso do telescópio, selecionamos apenas 30 estrelas e corremos o risco de não observar nenhum planeta, embora tivéssemos capacidade técnica para obter sucesso”, relata a professora da UFMG. 

Para reduzir as chances de erro, a equipe optou por observar apenas estrelas jovens que perderam o disco de gás e poeira muito cedo, situação identificada pela ausência de excesso na emissão de luz infravermelha. Elas representam um conjunto relativamente pequeno, pois 80% das estrelas da faixa de dois milhões de anos ainda têm esse disco. Com cinco milhões de anos, quase nenhuma tem. Comparativamente, o Sol do nosso sistema tem 4,5 bilhões de anos. A identificação dos corpos celestes, feita por meio de grandes levantamentos em regiões de formação estelar, está disponível publicamente e é utilizada por pesquisadores de todo o mundo.

Migração

Em nuvens gigantes de gás e poeira, regiões em áreas mais densas colapsam e dão origem a estrelas cercadas por discos, nos quais vão se formar os planetas. “Acredita-se que eles surgem em uma região mais fria e gasosa do disco, além da chamada linha da neve, longe da estrela, onde partículas de gelo, gás e poeira grudam facilmente umas nas outras e formam um protoplaneta”, explica a pesquisadora. Depois que atingem certa massa, começam a agregar todo o gás à sua volta, formando corpos gigantes, com núcleo rochoso e atmosfera gasosa. Alguns planetas, entretanto, migram para a parte interna do disco, tornando-se júpiteres quentes.

Uma das teorias sobre o modo como ocorre essa migração acaba de ser comprovada pela equipe coordenada por Jean-François Donati. Como todos os júpiteres quentes conhecidos eram mais velhos, não se sabia como eles se aproximaram da estrela – se haviam sido arrastados através do disco durante a sua formação ou se chegavam ao local muito mais tarde, por ter sua órbita perturbada pela interação com outros planetas. Ao observar um sol muito jovem, os pesquisadores mostraram que existem planetas próximos a estrelas de apenas dois milhões de anos. A órbita circular do planeta observada pela equipe revela que ele não foi levado violentamente, mas arrastado durante sua formação. Também ficou evidente que essa viagem é rápida. “Assim, demonstramos, pela primeira vez, esse tipo de evolução por migração através do disco”, ressalta Silvia Alencar. 

Região do infravermelho

A mesma equipe de pesquisadores está construindo outro espectropolarímetro, que será batizado de SPIRou, clássico personagem francês de histórias em quadrinho. O equipamento também será instalado no CFHT, no Havaí, para observações “além do domínio do ótico, no infravermelho”, como explica a professora do ICEx. Ao observar a região do infravermelho, a intenção é estudar estrelas de baixa massa (pelo menos duas vezes menores que o nosso Sol). Em contrapartida, as instituições que compõem o consórcio de produção do SPIRou – que inclui universidades estrangeiras e brasileiras – terá a garantia de uso de horas no telescópio. “Quando esse equipamento for para o telescópio, no final de 2017, teremos cerca de 120 noites garantidas ao longo de cinco anos para nossas pesquisas”, informa. No monitoramento da V830 Tau, a equipe dispunha de 55 noites para observar 30 estrelas. 

Observatórios como o CFHT trabalham com uma média de três vezes mais pedidos do que horas disponíveis. Os projetos -submetidos são ranqueados por uma equipe de cientistas, e os mais bem avaliados -ganham tempo de uso de telescópio.

Estrelas jovens são extremamente ativas e apresentam, em suas superfícies, manchas e campos magnéticos de ordens de magnitude maiores e mais fortes do que os do Sol. Essa atividade gera na luz observada das estrelas jovens perturbações muito maiores do que o movimento induzido por planetas em órbita, o que torna muito difícil a detecção desses planetas, mesmo em caso de planetas gigantes com órbitas próximas à estrela. Para recuperar o sinal do planeta, astrônomos necessitam modelar com precisão a distribuição de manchas e os campos magnéticos em larga escala de estrelas jovens usando técnicas tomográficas inspiradas no imageamento médico. A distribuição de manchas (à esquerda) e o campo magnético em larga escala (à direita) de V830 Tau foram reconstruídos com base em conjunto de dados levantados pelo grupo do qual a professora Silvia Alencar é integrante
Estrelas jovens são extremamente ativas e apresentam, em suas superfícies, manchas e campos magnéticos de ordens de magnitude maiores e mais fortes do que os do Sol. Essa atividade gera na luz observada das estrelas jovens perturbações muito maiores do que o movimento induzido por planetas em órbita, o que torna muito difícil a detecção desses planetas, mesmo em caso de planetas gigantes com órbitas próximas à estrela. Para recuperar o sinal do planeta, astrônomos necessitam modelar com precisão a distribuição de manchas e os campos magnéticos em larga escala de estrelas jovens usando técnicas tomográficas inspiradas no imageamento médico. A distribuição de manchas (à esquerda) e o campo magnético em larga escala (à direita) de V830 Tau foram reconstruídos com base em conjunto de dados levantados pelo grupo do qual a professora Silvia Alencar é integrante.

Artigo: A hot Jupiter orbiting a 2-Myr-old solar-mass TTauri star

Autores: Jean-François Donati, IRAP / OMP, França (1º autor); Claire Moutou, CFHT, Hawaii (2ª autora); Silvia Alencar, UFMG, Brasil; Clément Baruteau, IRAP / OMP, França; Louise Yu, IRAP / OMP, França; Jérome Bouvier, IPAG / OSUG, França; Pascal Petit, IRAP / OMP, França; Michihiro Takami, Asiaa, Taiwan; Andrew Collier Cameron, Univ of St Andrews, UK.

Ana Rita Araújo