Atual e interdisciplinar

Diamantina em celebração

Seminário de Economia Mineira reúne mais de 700 participantes e inicia comemorações dos 50 anos do Cedeplar

João Antônio de Paula: demanda por novas abordagens
João Antônio de Paula: demanda por novas abordagens Foca Lisboa/UFMG

Diamantina recebe, nesta semana (29 de agosto a 2 de setembro), nova edição do Seminário de Economia Mineira, que há 34 anos reúne pesquisadores e estudantes para tratar de economia, demografia, história e políticas públicas. Em 2016, o evento tem uma motivação diferente, porque marca o início das comemorações dos 50 anos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), que serão completados em 2017. Uma exposição conta a história da instituição vinculada à Faculdade de Ciências Econômicas (Face).

No âmbito externo, o seminário é marcado, neste ano, pela crise econômica, como observa o professor João Antonio de Paula, coordenador do evento. Ele lembra que o seminário surgiu em meio a uma outra crise, em 1982. “Na época foi uma das motivações para a iniciativa. Mas a crise atual é a mais grave e profunda, pelo menos desde 1964. Mais de três décadas depois da primeira edição, foram registrados avanços, mas há lista longa de temas não resolvidos, que nos assombram há gerações. E isso também será discutido em Diamantina”, comenta João Antonio de Paula.

Jose Murilo de Carvalho: situação atual sob perspectiva histórica
Jose Murilo de Carvalho: situação atual sob perspectiva histórica Revista Ars Histórica

Os impasses da política brasileira serão abordados em uma das três grandes conferências do evento, a cargo do historiador José Murilo de Carvalho. Ele informa que pretende examinar a situação atual em perspectiva histórica e sociológica. “O problema central da minha abordagem é o da nossa aparente incapacidade de manter trajetória persistente de crescimento e inclusão, sem os avanços e retrocessos que têm marcado nossa história pós-1930”, diz.

Polarização e crise do capitalismo

O também historiador Fernando Novais vai abordar “os embaraços do homem cordial”, à luz dos efeitos da forte polarização recente que inspirou a menção ao ódio entre parcelas divergentes da população. E o professor Sergio Alcides, da Faculdade de Letras da UFMG, vai celebrar os 400 anos da morte de William Shakespeare ao falar de A tempestade, última peça do bardo inglês, considerada seu testamento literário.

Seis mesas-redondas, sempre no início e no fim de cada dia, vão pôr em debate assuntos como a crise capitalista mundial – com participação do americano Fred Mosley e do francês Pascal Petit –, relações entre cultura, política e desenvolvimento e os aniversários de três obras fundamentais: A riqueza das nações, de Adam Smith (240 anos), O capital, de Karl Marx (150 anos), e A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de John Keynes (80 anos). Outras doze “mesas especiais” vão tratar de natureza e urbanização, inserção externa brasileira, universidade e planejamento metropolitano, crise econômica, migração internacional e saúde, entre outros temas.

O evento conta também com cursos sobre história de ­Minas e economia solidária (ambos com reserva de vagas para a comunidade local) e sessões temáticas e de comunicações e pôsteres em que serão apresentados 194 trabalhos escolhidos entre cerca de 400 submetidos. O professor Gustavo Britto, que coordenou a seleção dos trabalhos, ressalta que o Seminário de Diamantina abre espaço para pesquisadores de instituições de diversos portes e regiões e sempre foi a porta de entrada para pesquisadores que mais tarde se tornariam referência.

Homenagem a Fernando Brant

A edição deste ano não nega a tradição de oferecer atividades culturais e artísticas. Um concerto da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais na Praça do Mercado confirma a intenção dos organizadores de abrir o evento à cidade, promovendo atividades gratuitas, em praça pública. Um show vai homenagear o compositor Fernando Brant, morto em 2015, que tinha forte ligação com o Seminário de Diamantina. Na primeira edição do evento, ele participou de mesa-redonda com nomes como Antonio Cândido e Affonso Romano de Sant’Anna. O tema foi Minas não há mais?, que imprimia caráter interrogativo à afirmação em verso de Drummond. Depois, Brant voltaria ao seminário algumas vezes como músico.

Originalmente capaz de reunir pouco mais de cem pessoas para discussão de temas exclusivamente mineiros, o Seminário de Diamantina envolve na edição deste ano mais de 700 participantes. “O evento cresceu porque a demanda por novas abordagens e espaço para apresentação de trabalhos é cada vez maior. O seminário reflete a ampliação do escopo intelectual e de interesses e horizontes das atividades do Cedeplar”, afirma o professor João Antonio de Paula. Ele ressalta que as comunicações e debates tratam de temas atuais, que suscitam ligações interdisciplinares, o que “é a cara do Cedeplar”. “O Seminário é mais plural que a média dos congêneres, porque está de acordo com a maneira como entendemos economia, sempre em diálogo com as outras disciplinas.”

Apelo ao afeto

Montagem com cartazes das 17 edições do evento que integra exposições organizada pelo professor Fabrício Fernandino
Montagem com cartazes das 17 edições do evento que integra exposições organizada pelo professor Fabrício Fernandino

Uma exposição que combina documentos e obras de arte também marca, em Diamantina, o início das comemorações de meio século de existência do Cedeplar. Ofícios relacionados à criação do Centro, pesquisas e publicações são dispostos em vitrines, e numa “sala de estar” monitores fazem o papel de mesas de centro e exibem fotos e filmes que contam a história do Cedeplar. “É o momento de localizar pessoas e se deixar levar pelo afeto que a memória desperta”, explica o professor Fabrício Fernandino, da Escola de Belas-Artes, responsável ela produção da mostra, com curadoria de João Antonio de Paula.

A exposição contém ainda os cartazes das 17 edições do Seminário de Diamantina, que representam ainda um passeio pela produção gráfica nas últimas décadas. Os cartazes foram reproduzidos e impressos novamente em placas de policarboneto. Textos e imagens serão compilados em um catálogo de 44 páginas. E, em consonância com a história do Seminário, que valoriza cultura e arte em sua programação, a exposição dos 50 anos conta com sete telas (1,80 x 0,70cm) da artista Elisa Grossi, de Diamantina, que remete à produção de alunas carentes na fábrica de tecelagem de Biribiri, no início do século 19.

Magno de Carvalho: sensação de dever cumprido
Magno de Carvalho: sensação de dever cumprido Foca Lisboa/UFMG

O material contido na mostra remete ao movimento de criação do Cedeplar, que teve apoio de instituições como ONU, Cepal e BNDES, e aos cursos, pesquisas e publicações. Há também homenagem aos fundadores, os professores Fernando Reis, Élcio Costa Couto e Álvaro Fortes Santiago, que mantinham simultaneamente atividades no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Paulo Haddad, Carlos Mauricio Ferreira e José Alberto Magno de Carvalho. 

Único dos fundadores ainda em atividade no Cedeplar – ele se aposentou, mas atua como voluntário –, o professor José Alberto menciona “sensação de dever cumprido”, uma vez que o Centro se consolidou regional e nacionalmente, nas áreas da pós-graduação e da formação de recursos humanos em economia e demografia. “O Cedeplar tem papel importante para a UFMG e para o país. Tem formado quadros com atuação destacada, sobretudo no setor público, e muitos deles se sobressaem também na América Latina e na África de língua portuguesa”, afirma.

Itamar Rigueira Jr