Em domicílio

Pedagogia da catástrofe

Parece que vivemos um tempo em que argumentos não têm papel pedagógico; só as catástrofes convencem. O mundo parece ter apenas duas cores e estar parado no tempo; as análises que procuram mostrar as diferentes nuances dos problemas e prever suas consequências são recusadas. Há uma clara preferência pelas ilusões instantâneas no lugar da realidade em movimento, até que a pedagogia da catástrofe desperte as consciências, corrigindo os erros quando o preço já é muito alto. 

A vida não é um problema a resolver, é um risco a correr – o maior de todos os riscos. O ato de viver, além de arriscado, exige coragem e solidariedade. Diferentemente do que a indústria cultural quer nos fazer acreditar, não é hora de nos cercarmos do que é confortável, mas de respirar fundo, encontrar a calma, abrir mão do que é familiar e buscar as vozes pequenas e tímidas das novas histórias. Os versos do poeta russo Vladimir Maiakóvski são sempre uma grande referência: “Brilhar para sempre,/brilhar como um farol,/brilhar com brilho eterno./Gente é pra brilhar/que tudo mais vá para o inferno./Este é o meu slogan/e o do sol”.

A esperança nunca é uma emoção certa e tranquila, desacompanhada de qualquer apreensão, pois com ela se põe o cenário conjetural do provável e do plausível. No fundo, alimentar esperança é sinal de que cremos em algum sentido da história, que esta não é mero resultado da sorte ou do acaso, mas depende de uma série de fatores. Conforme esses fatores nos pareçam positivos ou negativos para a conquista dos valores que almejamos, a esperança se desdobra em um espectro de perspectivas, numa escala espiritual que vai do medo ou do simples receio até a ingente preocupação.

Projeta-se na esperança a sonhada realização ética da vida em plenitude. Falar em ética é falar em intersubjetividade, em correlação de formas de trabalho, como bem soube dizer Albert Einstein, em 1953: “Todos nós somos alimentados e obrigados pelo trabalho de outros homens e devemos pagar honestamente por ele, não apenas com o trabalho escolhido para nossa satisfação íntima, mas com o trabalho que, segundo a opinião geral, os sirva”. Há, assim, uma compreensão ética do trabalho que é, ao mesmo tempo, ética da cultura, entendendo-se trabalho como fonte de vida em comunidade, dando a ele sentido e medida. Não se pense que, nesse tópico, Einstein empregue o advérbio “honestamente” sem atribuir ao termo todo o peso de seu significado, pois de outras afirmações deixadas pelo autor da teoria geral da relatividade resulta a sua compreensão moral do trabalho, não em termos de produtividade (campo em que capitalistas e comunistas se encontram, embora sob diversas óticas), mas em termos de serviço devido à comunidade.

Importa ainda levar em consideração o fato de que a política, mais que qualquer outro ambiente, participa da ambiguidade inerente à condição humana, que nos faz simultaneamente dementes e sapientes. Por isso, por um lado, a política é a busca do bem comum e, por outro, contém deformações lamentáveis, como o patrimonialismo e a corrupção, o que a faz estar em permanente crise. Precisamos, portanto, de uma utopia para a política, para que desempenhe as funções que as definem: organizar a sociedade, montar um Estado, distribuir os poderes e realizar a busca do bem comum, sem privilégios e discriminações. Infelizmente, quando confrontamos a política real com a utopia da política, notamos imensas contradições. Há um constrangimento poderoso que pesa sobre a primeira: o fato de estar submetida à economia e ao mercado, regidos por feroz competição, deixando à margem a cooperação e os valores da solidariedade. Isso faz os valores não materiais ocuparem um lugar irrelevante quando não são feitos também de mercadorias.

O autêntico fazer político demanda educação de qualidade inclusiva com foco na cidadania. A educação nos proporciona o exercício da (re)invenção de nós mesmos e do mundo à nossa volta – dá-nos aquilo que a filósofa alemã Hannah Arendt chama de “vida com pensamento”. A política mundial – a brasileira, em especial – está sem lucidez. Falta pensamento de qualidade à nossa classe política, desligada, em sua maioria, dos anseios populares. Em linhas gerais, nossos políticos estão longe de ser exemplos democráticos. Trata-se de uma classe destemperada e com sérias dificuldades de promover argumentos convincentes e sensíveis. Os dirigentes, salvo honrosas exceções, apelam para ataques verbais e rodeios discursivos, desestabilizando o debate, logo deformado em combate.

Obcecados pelo poder, nossos dirigentes desdenham o saber e espalham a ignorância por onde passam. Existe um grande débito da ordem política com a promoção do desenvolvimento. Desenvolvimento é o processo político incentivador de mudanças que consistem na transformação qualitativa da sociedade. Entretanto, o que impera é o conservadorismo. Felizmente, ainda existe gente empenhada em zelar pela ordem pública e que acredita em valores como liberdade, igualdade, justiça e fraternidade. Mesmo diante das dificuldades, a retidão e a resistência continuarão sendo valores edificantes, conforme aconselha o poeta uruguaio Mario Benedetti: “Não te rendas, por favor, não cedas,/Ainda que o frio queime,/Ainda que o medo morda,/Ainda que o sol se esconda,/E o vento se cale,/Ainda existe fogo na tua alma./Ainda existe vida nos teus sonhos”.


(Marcos Fabrício Lopes da Silva - Professor das Faculdades JK e Ascensão, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela UFMG. Graduando em Letras pela UnB)