Emenda do atraso

Comunidade científica teme morte lenta do sistema

Associada à queda orçamentária, mudança constitucional pode tornar “insustentável” produção científica no país, advertem entidades

A PEC 241deve aprofundar a tendência de queda de investimentos na ciência e tecnologia brasileira verificada nos últimos anos, avalia o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich. Segundo ele, que é professor do Instituto de Física da UFRJ, os recursos anuais destinados à área de Ciência, Tecnologia e Inovação deveriam ser hoje superiores a R$ 10 bilhões, tomando como base o orçamento de 2013 corrigido pela inflação. 

Davidovich: orçamento em queda
Davidovich: orçamento em queda ABC / Divulgação

“No entanto, o orçamento de 2016 é de R$ 4,6 bilhões. Esse valor representa menos da metade dos recursos destinados à pasta há três anos, quando os valores ainda não contemplavam a área das comunicações”, afirma. E acrescenta: “Para 2017, o acréscimo no orçamento será de apenas R$ 1 bilhão, totalizando cerca de R$ 5,6 bilhões para todo o Ministério, já incluída a área das comunicações. Se considerarmos a inflação, será o segundo ano consecutivo em que o setor terá metade do orçamento de 2013. Caso esse cenário perdure por 20 anos, como prevê a PEC 241, será o fim da ciência no Brasil”, afirma.

Preocupação semelhante tem a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, para quem os recursos atualmente investidos em educação e pesquisa já são insuficientes e tendem “a diminuir ainda mais, o que tornaria a ciência brasileira insustentável”. Em mesa-redonda sobre fomento à pesquisa realizada durante a Semana do Conhecimento, Nader também criticou o expediente de se alterar o texto constitucional para viabilizar um ajuste fiscal. “Se precisarmos mudar a Constituição toda vez que passarmos por uma crise econômica ficará claro que algo não está funcionando em nosso sistema político”, acrescentou.

SBPC e ABC encaminharam carta ao Congresso Nacional no dia seguinte à aprovação, em primeiro turno, da PEC 241. No documento, Helena Nader e Luiz Davidovich reconhecem a necessidade do ajuste fiscal, mas advertem:“Reduzir os investimentos públicos em educação, ciência, tecnologia e inovação vai na contramão do objetivo de efetivamente tirar o Brasil da crise. A experiência mundial nos mostra que, sem investimentos consistentes e permanentes em educação, ciência, tecnologia e inovação, não há desenvolvimento econômico”.


Desmonte

Em outra mesa-redonda da Semana do Conhecimento da UFMG deste ano, o deputado federal e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, também não economizou críticas. “Quando li o texto dessa PEC, fiquei apavorado. Ela desmonta as políticas sociais, desmonta o Estado brasileiro, congela por 20 anos as políticas de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e científico, os investimentos nas universidades. Ela simplesmente compromete a soberania nacional”, afirmou.

Patrus: PEC compromete soberania nacional
Patrus: PEC compromete soberania nacional Foca Lisboa/UFMG

Entre as entidades representativas da comunidade da UFMG, o clima também é de apreensão. O professor Carlos Barreira Martinez, presidente do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (Apubh), manifestou preocupação com a “decisão do governo em mudar a Constituição em vez de uma mudança de hábitos do corpo político nacional”. Para Martinez, a UFMG e as demais universidades correm “risco de uma morte lenta, a exemplo do que aconteceu com o ensino público básico, fundamental e médio”.

Nader: sem ciência não há desenvolvimento
Nader: sem ciência não há desenvolvimento Foca Lisboa/UFMG

“Trata-se de um ataque aos direitos sociais e à classe trabalhadora”, define a coordenadora geral do Sindifes, Cristina del Papa, ao referir-se à PEC. Em sua visão, o congelamento do orçamento comprometerá a manutenção e a expansão da infraestrutura e dos serviços e impedirá a realização de novos concursos, reduzindo o quadro de pessoal e sobrecarregando os servidores. “O excesso de trabalho e a falta de ambiente e equipamentos adequados aumentarão a incidência de doenças laborais, entre outros males”, prevê a coordenadora.

Em nota, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) afirma que a Universidade não será poupada dos “retrocessos que estão sendo impostos” e defende ampla mobilização do corpo discente. “Temos dever central de não nos abstermos de tudo isso que tem acontecido. Quando faltam recursos para a universidade, os primeiros setores afetados são assistência estudantil, extensão e outras áreas que ampliam o acesso e o diálogo com setores normalmente marginalizados na sociedade e na universidade”, diz o comunicado.

Da redação