Desvendando os sinais

Graciliano em leituras cruzadas

Em livro, professor da Fale explora os discursos sobre ética do romancista brasileiro e de pensadores como Jacques Derrida

Cada um em seu tempo e de seu lugar, o escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) e o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004) escreveram sobre ética. As narrativas do brasileiro e os ensaios de Derrida contêm reflexões sobre conceitos como justiça, responsabilidade e perdão.

Acostumado a circular numa região de interesses acadêmicos marcada pela interseção da literatura com a filosofia, o professor Gustavo Silveira Ribeiro, da Faculdade de Letras, encontrou aí um campo novo a explorar. Os diálogos entre Graciliano e Derrida – aparecem também nomes como Theodor Adorno e Giorgio Agamben – foram tema da pesquisa de doutorado, que resultou no livro O drama ético na obra de Graciliano Ramos – leituras a partir de Jacques Derrida (Editora UFMG).

“Eles lançam mão de elementos ético-políticos que podem iluminar questões dos tempos atuais. Optei por reflexão que aproxima os autores. Não se trata de literatura comparada, o que faço são leituras cruzadas, sem hierarquização”, explica Gustavo Ribeiro, acrescentando que é muito mais comum deparar com textos que relacionam a literatura do alagoano com a história e a sociologia do que com pressupostos filosóficos.

Segundo o pesquisador, essa aproximação é produtiva para se entender melhor o filósofo e o romancista. “Graciliano trata das escolhas, da relação com o outro, dos limites e da responsabilidade de cada indivíduo. Ele problematiza os conflitos com a moralidade, a família e as classes superiores ou subalternas”, diz Ribeiro. “E faz isso de maneira não normatizante, em forma de questionamento. E a dúvida é exatamente o lugar da filosofia”, acrescenta.

Quatro conceitos

Gustavo Silveira Ribeiro pinçou quatro conceitos presentes de forma expressiva na obra ficcional e autobiográfica do autor de Angústia e nos textos dos filósofos: tolerância, acolhimento, perdão e responsabilidade. Para falar de tolerância, ele toma como referência o livro A terra dos meninos pelados, de enredo marcado por conflito resolvido com inclusão. O texto de diálogo é O papel-máquina, de Derrida, que trata da imigração africana na Europa ocidental.

O romance Vidas secas serve à abordagem da noção de acolhimento. O pesquisador enxerga na obra “o intelectual que se abre para ouvir os despossuídos, não letrados, apesar de sua baixíssima capacidade de reflexão. Ele se despoja de seu lugar de fala para traduzir o mundo caótico, sob opressão”, comenta Gustavo Ribeiro, que cruzou a história da família de retirantes com textos como Da hospitalidade, de Jacques Derrida.

Do livro Infância, em que Graciliano Ramos conta os seus 11 primeiros anos de vida, no interior de Alagoas, Ribeiro extrai a ideia de perdão. Ele lembra que o escritor evoca suas memórias de um mundo agressivo não para condenar, mas para rever com outros olhos o passado e seus personagens. “Perdoar, para Graciliano e para pensadores como Derrida e Emmanuel Levinas, não é esquecer ou cancelar, é dar outro significado, com o efeito paradoxal do dom, da oferta sem limite, sem expectativa de retorno”, explica o autor de O drama ético…

Responsabilidade, por fim, é o conceito associado a Memórias do cárcere, o célebre relato dos meses que Graciliano Ramos passou na prisão da Ilha Grande (RJ). Preso sem processo, entre março de 1936 e janeiro de 1937, acusado de ser simpatizante do Partido Comunista, o escritor quase morreu de inanição. Dez anos depois, tomada a devida distância dos eventos, ele começou a escrever as Memórias, que não chegou a dar por terminadas até sua morte, em 1953.

A missão que Graciliano se impõe, ao contar suas experiências pessoais e analisar detalhadamente a situação de um país em estado de exceção de 1936 a 1945, se encaixa nas visões de Derrida (Espectros de Marx) e Agamben (O que resta de Auschwitz e Estado de exceção). “Para Derrida, responsabilidade não é o compromisso puro e simples, uma dívida cultural ou social, é a possibilidade de oferecer respostas às questões do seu tempo”, ressalta Ribeiro. “E Graciliano põe em dúvida os fundamentos de seu tempo, se oferece como testemunha para melhor compreender os eventos que viveu.”

Reprodução
Reprodução Editora UFMG


Livro: O drama ético na obra de Graciliano Ramos

Autor: Gustavo Silveira Ribeiro

Editora UFMG
252 páginas / R$ 43 (preço de capa)

Lançamento: Sábado, 18 de março, das 11h às 15h, na Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274 - Savassi)

Itamar Rigueira Jr