Entre a Resistência e a Acomodação
Em pesquisa de mestrado, historiadora discute memórias da UFMG em relação a atitudes individuais e institucionais tomadas durante a ditadura mili
Em muitas entrevistas que realizou e a que teve acesso ao longo de sua pesquisa de mestrado, no Programa de Pós-graduação em História, Iara Souto Ribeiro Silva encontrou passagens em que os entrevistados – membros da comunidade acadêmica, sobretudo ex-dirigentes – enfatizam ações individuais e institucionais que denotam atitude de resistência da UFMG à ditadura militar. Da mesma forma, textos e discursos de publicações, homenagens e efemérides concentram sua retórica em lembranças que favorecem a imagem de uma universidade que preservou sua autonomia naquele período.
Ela lembra, porém, que houve episódios de acomodação e até de colaboração por parte de pessoas e da instituição que têm sido omitidos. “Está longe de ser desprezível o conjunto de ações que significaram resistência ao regime, mas evita-se falar no papel da Universidade nas situações de professores cassados, centros acadêmicos invadidos, censura a paraninfos e oradores de cerimônias de formatura”, afirma a historiadora graduada na UFMG e técnica em Assuntos Educacionais lotada na Pró-reitoria de Recursos Humanos.
Para Iara Souto, a UFMG contou com grupo de dirigentes que conseguiu manter coesão e articulação sobre temas como a reforma universitária de 1968. Em diversas ocasiões, eles souberam negociar com os militares “para evitar danos maiores”, protegendo estudantes e professores. “Os reitores sofriam pressão cotidiana, já que instituições como a UFMG mereciam atenção especial do regime, que as via como redutos da esquerda intelectualizada. A Universidade, particularmente, abrigava movimento estudantil muito ativo. Sofreu menos ataques que a UnB e a USP, mas foi também muito vigiada e reprimida”, diz a pesquisadora.
Ênfases e esquecimentos
Em sua dissertação, Iara Souto discute a questão da memória, com base em autores como Paul Ricœur e Beatriz Sarlo. Para ela, precisamente por valorizar o que é subjetivo, a memória pode ser fonte muito interessante de análise. A primeira parte do trabalho trata das entrevistas – como as do projeto Memória Oral da Ciência, realizado para comemorar os 80 anos da UFMG, em 2007 –, monumentos e discursos, como os de homenagem aos professores aposentados compulsoriamente nos anos de ditadura. “Essas memórias são marcadas por esquecimentos sobre a vigilância constante e o ambiente de medo e pela ênfase na união da comunidade e nas estratégias para minimizar o impacto das ações repressivas”, conta Iara Souto.
A pesquisadora se dedica também a detalhar a reforma universitária, destinada a qualificar jovens e a estimular a produção científica, e que resultou em aspectos da organização da vida acadêmica que sobrevivem nos dias de hoje, como a divisão por departamentos, o sistema de créditos e a dedicação exclusiva de docentes. “A reforma proporcionou mais recursos às universidades e teve também a intenção de aplacar a rebeldia dos estudantes, embora não se tenha, por exemplo, criado mais espaço para eles nos colegiados.”
A última parte da dissertação contém narrativas contrárias à “mitologia da resistência”. Nos arquivos da Assessoria Especial de Segurança e Informação (Aesi), sobressaem histórias como a do servidor Irany Campos, demitido enquanto estava preso por razões políticas e reintegrado anos depois, e a de João Batista dos Mares Guia, que teve sua contratação como professor abortada por ordens de Brasília. “Eles nunca tiveram suas situações reconhecidas pela Universidade, sendo mantidos fora da narrativa oficial, que exalta a preservação da autonomia”, destaca Iara Souto.
A pesquisadora acrescenta que a UFMG mantém silenciamentos, por meio de ações ou omissões ao longo das últimas décadas. A propósito, ela cita o fato de a instituição ter alegado não dispor de dados quando a Comissão Nacional da Verdade solicitou, em 2012, subsídios para capítulo de seu relatório final dedicado a violações de direitos humanos nas universidades. Segundo Iara, a UFMG também foi uma das poucas que não criou sua própria comissão da verdade.
Dissertação: Memórias sobre a UFMG: modernização e repressão durante a ditadura militar
Autora: Iara Souto Ribeiro Silva
Orientador: Rodrigo Patto Sá Motta
Defesa em abril de 2017, no Programa de Pós-graduação em História