Tecnologia que vicia

Física em duas dimensões

Pesquisadores descrevem espalhamento de elétrons na molibdenita, abrindo nova frente para avanços em áreas como ciência dos materiais e armazenam

 

Fenômeno até então desconhecido pelos pesquisadores de materiais com espessura atômica, o espalhamento de elétrons entre os vales de sistemas bidimensionais, por intermédio de um fônon, foi descrito no artigo Intervalley ­scattering by acoustic phonons in two-dimensional MoS2 revealed by double-resonance Raman spectroscopy, publicado na revista Nature Communications. O trabalho tem como primeiro autor Bruno Carvalho, orientado pelo professor Marcos Pimenta, do Departamento de Física da UFMG, e foi desenvolvido em cooperação com pesquisadores norte-americanos e britânicos.

A descoberta desse comportamento se deu por meio da técnica de espectroscopia Raman ressonante, que faz incidir um feixe de laser sobre o objeto e possibilita análise do espectro de luz reemitido. O mapeamento revelou a interação de elétrons com partículas chamadas fônons, que são os quanta (pacotes de energia) da vibração de átomos do cristal. Nessa pesquisa, a equipe analisou o dissulfeto de molibdênio (MoS2), também chamado de molibdenita, que pertence à família de nanomateriais bidimensionais denominados dicalcogenetos de metais de transição.

Os pesquisadores identificaram processo em que o fônon acústico “joga” o elétron de um vale para outro em uma folha bidimensional de MoS2. Esse conhecimento constitui ferramenta para monitoramento experimental desse processo e pode facilitar o desenvolvimento de técnicas para criação de dispositivos eletrônicos elaborados com materiais bidimensionais, área de fronteira na Física. “Ao utilizar mais de 20 linhas de laser, percebemos que a frequência de alguns traços Raman se desloca quando se muda o feixe de energia de excitação, processo de espalhamento conhecido como Raman de dupla ressonância”, explica Bruno Carvalho.

Observado no dissulfeto de molibdênio pela primeira vez, esse comportamento – em que a frequência de alguns traços Raman sofre um deslocamento com a energia do laser – possibilitou aos autores do trabalho responder uma pergunta que ficara em aberto por mais de duas décadas na literatura, informa Bruno Carvalho. O mesmo padrão é esperado para outros sistemas bidimensionais semicondutores da família dos dicalcogenetos de metais de transição, diz o pesquisador, que defendeu sua tese de doutorado em fevereiro deste ano e acaba de ser admitido como professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A colaboração de Carvalho com a equipe dos Estados Unidos que participou da pesquisa teve início em seu doutorado sanduíche, no grupo do professor Mauricio Terrones, na Penn State University.

Materiais bidimensionais

A chamada física dos sistemas bidimensionais, que estuda materiais em camada de espessura atômica, focaliza novos fenômenos que ocorrem somente em duas dimensões e abre possibilidades para aplicações em inúmeros campos. Materiais formados por folhas e que podem ser esfoliados em lâminas de nível atômico – grafeno, dissulfeto de molibdênio, mica e pedra-sabão, por exemplo – podem ser associados a outros, como plástico, cimento, cerâmica e gesso, que assim adquirem propriedades novas para aplicações em campos como biologia, ciência dos materiais, eletrônica e armazenamento de energia.

“Como cada material bidimensional tem uma propriedade – um é condutor de eletricidade, outro é isolante, outro é semicondutor – hoje é possível não apenas fabricar esses materiais bidimensionais, mas também empilhar tipos diferentes, fazendo assim um dispositivo com várias propriedades”, explica Marcos Pimenta, que há 25 anos criou, no Instituto de Ciências Exatas (ICEx), o Laboratório de Espectroscopia Raman.

Marcos Pimenta: análise da molibdenita, nanomaterial bidimensional
Marcos Pimenta: análise da molibdenita, nanomaterial bidimensional Carol Prado/UFMG


Valetrônica

Além da eletrônica, cujo objeto são as propriedades quânticas dos elétrons, campos mais recentes de pesquisa focalizam outras características dessas partículas, como a chamada spintrônica, que estuda as propriedades magnéticas do material trabalhado. “Nos materiais bidimensionais surge ainda um novo efeito, uma vez que os elétrons se localizam dentro de vales nessas estruturas”, acrescenta Marcos Pimenta. Segundo ele, a possibilidade de usar essa nova propriedade em dispositivos deu origem à área de investigação valleytronics (ou valetrônica). “O artigo publicado na Nature Communications fornece uma compreensão da Física subjacente na área de valetrônica, ao mostrar como a eficiência de um dispositivo pode ser afetada pela interação entre elétrons nesses vales, por fônons do material”, esclarece o professor, um dos pioneiros na pesquisa com nanomateriais no país.

Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Nanomateriais de Carbono e do Centro de Tecnologia em Nanomateriais (CT-Nano), Pimenta mantém intensa colaboração científica com instituições internacionais. Segundo ele, mais do que um laboratório com boa infraestrutura, a UFMG detém “principalmente a expertise de entender, interpretar e extrair informações das amostras que nos são enviadas de países como Estados Unidos, China e Japão”. 

Ana Rita Araújo