SBPC na UFMG

Convergências e distinções

SBPC Afro e Indígena passa a integrar programação científica e vai contemplar diferenças e questões comuns, como luta pela terra e produção de co

A edição de 2017 da Reunião Anual da SBPC é a quarta em que se promove um conjunto consistente de conferências e debates sobre questões que afetam os grupos indígenas e afrodescendentes, mas é a primeira vez que a SBPC Afro e Indígena compõe a programação científica do encontro nacional – nos três últimos anos, teve status de programação paralela. Outra novidade deste ano é que a série de discussões foi planejada para contemplar convergências e distinções entre as duas temáticas.

A questão será debatida na conferência de abertura, Saberes afro e indígenas: tensões, aproximações e singularidades, a cargo do pedagogo e antropólogo Tonico Benites, vinculado ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Benites tem origem na etnia Kaiowá.

Segundo a professora Shirley Miranda, da Faculdade de Educação da UFMG, coordenadora da comissão organizadora do evento, os povos indígenas (originários) e afrodescendentes (tradicionais) têm formas de inserção diferentes na história brasileira, mas pontos em comum, como a luta pela terra e os dilemas relacionados à produção de conhecimento. “Aí entra a universidade. O conhecimento científico pode ajudar a identificar nuances e especificidades. Essa preocupação marca o evento”, diz a professora, acrescentando que a ciência tanto pode conferir reconhecimento quanto incorrer em generalizações. Ela ainda enfatiza que as discussões vão tratar esses povos não apenas como objeto de pesquisa, mas, sobretudo, como produtores de saberes.

Vanicléia: África e afrodescedência
Vanicléia: África e afrodescedência Foca Lisboa/UFMG

A mesa Pesquisas sobre história, história da África e diáspora no Brasil é destacada por Vanicléia Santos, professora da Fafich e integrante da comissão organizadora. “Esse é um debate pensado para discutir questões específicas relacionadas à história da África e à afrodescendência, que não devem ser confundidas com os estudos sobre indígenas ou sobre escravidão, por exemplo, que são campos de conhecimentos distintos”, diz Vanicléia.

Ética e consentimento

Baniwa: universidade não sabe como operam os sistemas de conhecimento
Baniwa: universidade não sabe como operam os sistemas de conhecimento Observatorio da Educação/Amazonia.org

Coordenadora da mesa sobre produção do conhecimento e saúde indígena, a professora Livia Pancrácio de Errico, da Escola de Enfermagem da UFMG, comenta que é necessário discutir formas de acelerar o processo de consentimento por parte do Conselho Nacional de Saúde, para pesquisa entre indígenas, e respeitar os padrões éticos dessas sociedades. “Além disso, a produção na área de saúde indígena sofre porque predomina a tendência de se transferir a noção do que é problema entre os não indígenas para a identificação de demandas nessa área de pesquisa”, afirma a professora, que preside a Comissão de Acompanhamento dos Estudantes Indígenas da UFMG. 

Novas práticas

A democratização dos saberes é um dos principais desafios da academia, que tem feito alguns avanços na direção de aprofundar o diálogo dos saberes científicos com os tradicionais, mas ainda está muito longe de abrir verdadeiramente suas portas para a interação, na visão do antropólogo e professor Gersem José dos Santos Luciano (Baniwa), da Universidade Federal do Amazonas. “A universidade ainda precisa caminhar muito para conhecer como são concebidos, como operam e se articulam os diferentes sistemas de conhecimento”, afirma o professor, integrante do povo Baniwa, de São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro. Gersem Baniwa milita desde a juventude, quando defendeu os direitos do seu povo contra garimpeiros e mineradoras, e luta também no campo das políticas públicas por uma educação que respeite as tradições e fortaleça os povos tradicionais. Como acadêmico, atua com os mesmos fins. “Luto pela dignidade e pela existência dos povos indígenas, já que vivi o fantasma do desaparecimento”, diz o professor. Segundo ele, pesquisadores e professores devem assumir compromissos de mudar suas práticas metodológicas e didáticas. “Os cursos precisam repensar suas matrizes curriculares para enfrentar nova realidade intercultural e interepistemológica.” Boniwa vai participar de mesa sobre democratização da produção do conhecimento.

Minicursos e cortejo

A SBPC Afro e Indígena inclui oito minicursos, com temáticas conectadas com as mesas e conferências. As atividades vão tratar de assuntos como estratégias educacionais que lidam com questões como línguas e costumes, laudos antropológicos de comunidades quilombolas e a questão da identidade entre indígenas e afrodescendentes. A programação vai contar com a presença de especialistas como Renata Felinto, da Universidade Regional do Cariri, da área de arte afro-brasileira, e Iris Amancio, da Universidade Federal Fluminense (UFF), estudiosa de literatura africana e relações étnico-raciais. 

A Formação Intercultural de Estudantes Indígenas da UFMG (Fiei) vai transformar a participação na Reunião da SBPC em parte da formação acadêmica. Cem alunos do curso, de cinco etnias, vão se integrar às atividades do evento e, junto com membros de cinco grupos de congado mineiros, conduzirão o cortejo final da SBPC Afro e Indígena, que fará o trajeto da Escola de Belas Artes à Praça de Serviços.

Itamar Rigueira Jr.