Novas formas de garimpar

Opinião: Átomos, vazios e opiniões

Por definição há cor,

Por definição há doce,

Por definição há amargo,

Mas na realidade há átomos e espaço. 

(Demócrito)

Para os primeiros filósofos gregos, mais conhecidos como pré-socráticos, existe uma substância primordial da qual tudo se origina. Essa substância seria a responsável pelas transformações ocorridas na natureza, a causa oculta por detrás de todas as coisas. A esse princípio básico, o elemento que constitui todas as coisas, eles deram o nome de arché, que, em grego, quer dizer princípio originário. Portanto, o objetivo desses filósofos era tentar entender os fenômenos naturais, sem ter que, para isso, recorrer a algum tipo de explicação baseada em meras crenças e mitos da cultura grega arcaica – como no caso da Teogonia, de Hesíodo, poema que narra as origens das diversas divindades gregas, sem falar do conceito de cosmogonia, que se vale de um discurso mitopoético para tentar desvendar todo o processo de criação-formação do mundo. 

Os pré-socráticos foram responsáveis pela introdução de uma proposta científica, na qual o modelo de pensamento deveria focar questões do mundo real. Foram os precursores da cosmologia – termo formado pela justaposição das palavras cosmo, que significa mundo ordenado e organizado, e logos, equivalente em grego a conhecimento, reflexão, racionalidade. A cosmologia, como concepção filosófica, dedica-se à  análise e ao estudo do funcionamento e da  organização do mundo. Nesse contexto surgem os conceitos fundantes dessa nova concepção: a água ou o úmido como origem de todas as coisas, de Tales de Mileto, o ilimitado sem qualidades definidas, de Anaximandro, e os átomos de Leucipo e Demócrito, entre outros.

Nessa perspectiva, há que se considerar, portanto, a teoria sobre o Ser ou sobre a Natureza desenvolvida por Demócrito de Abdera. Para esse filósofo, a realidade é constituída de átomos. A palavra átomo vem do grego, cuja definição refere-se à menor partícula, a tudo aquilo que não pode ser cortado e dividido, presente em todas as coisas. Por isso, essa teoria foi batizada de atomismo filosófico. Para ele, os seres se originam da composição atômica. As coisas transformam-se devido a novos arranjos dos átomos e desaparecem pela desagregação dessas partículas.

As premissas defendidas pelo filósofo são convincentes, pois, para ele, os átomos têm diferentes constituições e formas (triangulares, lisas, arredondadas, pontiagudas, duras, moles, entre outras). A combinação desses fatores (as características dos átomos) seria, portanto, a grande responsável pelas mudanças ocorridas na natureza e pelo surgimento de seres variados e suas desaparições.

Para o atomismo filosófico de Demócrito, a antropologia é parte da cosmologia, já que o homem é visto como parte integrante da natureza, como um microcosmo originado no seio do mundo natural (o cosmos). Nesse sentido, o homem é definido como um composto atômico, que se alimenta de outros corpos e de inúmeras partículas que circulam e se movimentam ao seu redor. No entanto, o ser humano se distingue dos outros seres por duas faculdades que lhe são inerentes: sensação e intelecto. Sob esse aspecto, temos percepções (sentir prazer e dor, perceber o frio e o quente, distinguir sabores, odores e texturas) porque absorvemos os efeitos das composições dos átomos que, em si mesmos, não podem expressar essas qualidades (sensoriais e perceptivas). O homem interage com os átomos por meio do seu intelecto, em um processo semelhante ao que ocorre com as sensações, embora os átomos que se relacionam com a consciência, os chamados átomos da alma, tenham características que os diferenciam dos demais, que são lisos e arredondados – conforme conceituação do próprio Demócrito.

 Com efeito, os átomos só se agrupam e se recompõem porque se deslocam no espaço vazio. Assim, para Demócrito, o vácuo é condição sine qua non para que os átomos possam se chocar e se encontrar, formando agrupamentos e novas compleições atômicas. E qual seria então o direcionamento desses átomos? Para ele, nenhuma direção preferencial. Os átomos dispersos no vazio seguiriam em todas as direções. Isso, no entanto, não quer dizer que tudo o que acontece seja fruto do mero acaso, uma vez que existem leis que regem a natureza, ainda que a movimentação atômica seja o fenômeno responsável pela natureza e pelo rearranjo da realidade. O que existe são desvios de indeterminação que não afetam a organização lógica e determinante do mundo. Ou seja, esse jogo é uma forma de liberdade e de abertura promovida pelos átomos no interior das forças mecânicas, pelas quais tudo se move e se orienta.

Assim sendo, há de se reconhecer que, segundo a teoria de Demócrito, a natureza é algo fluido e dinâmico, onde tudo está em constante transformação. Por outro lado, por detrás desse mundo cambiante e bastante movimentado, há um componente que se mantém fixo e imutável, indivisível e eterno. E a esse elemento – básico e essencial –, subjacente a todas as coisas, é o que se pode chamar de átomo. Uma frase talvez sintetize o pensamento de Demócrito: “Tudo o que existe no Universo é fruto da causalidade e da necessidade. Nada existe, exceto átomos e espaço vazio. Tudo o mais são opiniões”.

Alexandre Flores Alkimim, pedagogo, graduado em Filosofia e técnico em Assuntos Educacionais da Pró-Reitoria de Graduação