Não há de ser inutilmente

Solidariedade chega de toda parte

Desde o último dia 6, a UFMG vem recebendo manifestações de apoio de instituições, organizações civis, entidades educacionais e personalidades por conta da operação deflagrada pela Polícia Federal, que determinou a condução coercitiva de dirigentes da Universidade.

A ação foi questionada, entre outros, pelos ex-presidentes Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso, pelo Ministério Público, pela seção Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O compositor João Bosco, autor da canção O bêbado e a equilibrista, cuja expressão Esperança equilibrista foi usada pela PF para batizar a operação, também manifestou sua reprovação. Leia trechos de algumas mensagens.

Traição a um desejo fundamental
Recebi com indignação a notícia de que a Polícia Federal conduziu coercitivamente o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Jaime Ramírez, entre outros professores dessa universidade. A ação faz parte da investigação da construção do Memorial da Anistia. Como vem-se tornando regra no Brasil, além da coerção desnecessária (ao que consta, não houve pedido prévio, cuja desobediência justificasse a medida), consta ainda que os acusados e seus advogados foram impedidos de ter acesso ao próprio processo, e alguns deles nem sequer sabiam se eram levados como testemunhas ou suspeitos. 

Isso seria motivo suficiente para minha indignação. Mas a operação da PF me toca de modo mais direto, pois foi batizada de Esperança Equilibrista, em alusão à canção que Aldir Blanc e eu fizemos em honra a todos os que lutaram contra a ditadura brasileira. Essa canção foi e permanece sendo, na memória coletiva do país, um hino à liberdade e à luta pela retomada do processo democrático. Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental.
João Bosco, compositor, autor com Aldir Blanc da música O bêbado e a equilibrista

Resistência
Quero testemunhar a mais veemente solidariedade a estes académicos íntegros e quero pedir-lhes, em nome da comunidade académica internacional, que não se deixem intimidar por estes actos de arbítrio por parte das forças anti-democráticas que tomaram conta do poder no Brasil.

Eles sabem bem que nada disto tem a ver pessoalmente com eles enquanto indivíduos, pois sabem que não há nenhuma razão jurídica que justifique tais acções. Os actos de que são vítimas visam, isso sim, desmoralizar as universidades públicas e preparar o caminho para a sua privatização. Estamos certos que estes desígnios não se cumprirão, pois a resistência da comunidade académica e do conjunto da cidadania democrática brasileira a tal obstará.
Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Referência traiçoeira
A Polícia Federal deflagrou mais uma operação espalhafatosa, dessa vez para apurar suspeitas sobre o Memorial da Anistia, obra da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) feita com recursos do governo federal.

Batizada perversamente de Esperança Equilibrista – uma referência traiçoeira à imortal obra de Aldir Blanc e João Bosco que simboliza o Hino da Anistia –, a operação da PF é uma bofetada nos anistiados e um desrespeito à memória dos torturados e dos que tombaram na luta contra a ditadura. Isso ocorre meses depois da infundada operação desencadeada na Universidade Federal de Santa Catarina que provocou o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier. É lamentável que a sombra do estado de exceção continue a se projetar sobre as instituições brasileiras.
Dilma Rousseff, ex-presidenta

Autor desta charge, o cartunista LOR colaborou com o BOLETIM de 1988 a 1997
Autor desta charge, o cartunista LOR colaborou com o BOLETIM de 1988 a 1997




Arbítrios incompatíveis
Agora são os professores da UFMG os atingidos. Reitero: creio que alegações, se consistentes, devem ser apuradas. Entretanto, para quem, como eu, foi vítima do arbítrio no período ditatorial, sinais de excesso são condenáveis e exigem esclarecimentos. Investigar é necessário, acusar com base é função do MP; o julgamento depende da Justiça, culpando ou inocentando os acusados. Arbítrios e abusos não são compatíveis com o Estado de Direito. Por isso, têm minha reprovação em nome dos valores da democracia e da liberdade.
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente

Repetição de equívocos
A operação Esperança Equilibrista repete equívocos cometidos pela operação Ouvidos Moucos e nos traz à lembrança a desastrosa operação da PF na Universidade Federal de Santa Catarina, em setembro deste ano. Até o momento a medida se mostrou injustificada, e o resultado foi uma campanha difamatória contra a Universidade e a perda irreparável do professor Luiz Carlos Cancellier, reitor à época.

O CTC-ES manifesta solidariedade à comunidade acadêmica da UFMG e reitera o compromisso intransigente com a defesa da universidade pública. Repudia as ações abusivas da PF contra as universidades federais e seus gestores e propugna o respeito às garantias constitucionais e ao devido processo legal.
Conselho Técnico-Científico da Educação Superior da Capes

Dano irreparável
Em princípio, esses mandados são abusivos, pois deveriam ser antecedidos por carta convocando-os [os acusados] para prestar esclarecimentos. O dano à imagem dos convocados está feito. Como em outros casos, isso é irreparável, face ao comportamento estridente da mídia que se nutre financeiramente disso. O Confies declara-se em solidariedade aos colegas e continuará sua luta para aperfeiçoar o sistema de controle em um ambiente democrático, que preserve os direitos individuais do cidadão inscritos da Constituição Federal.
Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) 

Abuso de autoridade
As universidades federais conclamam o Congresso Nacional a produzir, com rapidez, uma lei que coíba e penalize o abuso de autoridade. E exigem que os titulares do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República, do Ministério da Justiça e do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria da União intimem seus subordinados a balizarem as suas atividades pelos preceitos constitucionais, especialmente quanto ao respeito aos direitos individuais e às instituições da República. A sociedade não pode ficar sob ameaça de centuriões.

A Andifes, as reitoras e os reitores das universidades federais solidarizam-se com a comunidade da Universidade Federal de Minas Gerais, com seus gestores, ex-reitores e com seus servidores, ao mesmo tempo em que conclamam toda a sociedade a reagir às violências repetidamente praticadas por órgãos e indivíduos que têm por obrigação respeitar a lei e o Estado Democrático de Direito. As universidades federais, reiteramos, são patrimônio da sociedade brasileira e não cessarão a sua luta contra o obscurantismo no Brasil.
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)

Ação desproporcional
É com indignação e profunda preocupação que a Universidade Federal de Santa Catarina, por meio da Administração Central, observa, novamente, grave ataque à autonomia das universidades federais e mais uma ameaça às garantias individuais de gestores universitários, vítimas de ações espetaculosas e midiáticas, das quais a própria UFSC foi alvo e, agora, repetem-se na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Nem mesmo as repercussões e reações de toda a sociedade, resultantes do trágico desfecho que tiveram as prisões do Reitor e de docentes e servidores da UFSC, parecem ter sido capazes de refrear a motivação das autoridades judiciais e policiais em agir de forma precipitada e desproporcional.
Administração Central da Universidade Federal de Santa ­Catarina (UFSC)

Justiça de transição
Embora a PFDC [Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão] repudie o uso indevido de recursos públicos em qualquer hipótese, reforça que a implementação do Memorial da Anistia Política constitui parte da política pública de justiça de transição e sua conclusão é indispensável para a preservação da memória sobre as graves violações aos direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar no Brasil e a resistência que milhares de cidadãos ofereceram ao autoritarismo no país. 

Qualquer iniciativa de investigação de desvios de recursos na implementação do Memorial não pode ser usada para depreciar a importância jurídica e histórica da preservação da memória sobre o legado de violações aos direitos humanos no regime militar autoritário.
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público

Violação ao estado de inocência
Longe de auxiliarem de modo efetivo na investigação, as conduções coercitivas na UFMG causam a desnecessária exposição de pessoas à execração pública e a uma condenação social prévia, que antecede o pronunciamento final do órgão jurisdicional, algo que certamente viola o estado de inocência que vigora como princípio constitucional e direito do cidadão.

É preocupante a reiterada intervenção dos órgãos repressivos do Estado contra instituições de ensino públicas e seus dirigentes, com desrespeito a garantias constitucionais, o que remonta ao período de exceção já superado em nosso país.
Conselho Seccional da OAB Minas

Criminalização
A construção do Memorial da Anistia em Belo Horizonte é um complexo projeto arquitetônico e de engenharia, que envolve a reforma de prédios antigos e a construção de novos equipamentos em terreno com problemas estruturais. Portanto, o devido acompanhamento dessa obra, paralisada a fórceps pelo atual governo federal, não deveria ser objeto de ação policial, e sim, de adequações financeiras, técnicas e administrativas.

Os acervos memorialístico e documental que compõem o Memorial, de vital importância para a história, a memória e a justiça em nosso país, demandam uma construção cuidadosa e diversificada.

Ao criminalizar uma das maiores Universidades do país, abre-se a porta para a criminalização de todo um segmento que não se alinha aos setores autoritários.
Comissão da Verdade em Minas Gerais

Confiança nos dirigentes
A UFMG e seus dirigentes sempre se pautaram pelo respeito à lei e pelo cumprimento de decisões judiciais. Os fatos ocorridos atingem, portanto, uma grande e respeitável instituição: a Universidade Federal de Minas Gerais, um patrimônio de nosso estado e do país. Reiteramos nossa confiança na Universidade Federal de Minas Gerais e na probidade de seus dirigentes, aos quais prestamos nossa total solidariedade e apoio.
Trecho de carta assinada por 11 ex-reitores e vice-reitores da UFMG

Instrumentos essenciais
As ações recentes, e em sequência, sobre universidades públicas brasileiras, das quais a UFSC e a UFMG são exemplos, parecem refletir menos uma vontade real de combater mazelas do país do que atender a motivações de outra natureza. Da forma como têm sido executadas, elas atentam contra o estado democrático e afetam a atuação dessas instituições públicas que têm dado, ao longo de décadas, contribuições importantes para o desenvolvimento social e econômico do Brasil. As universidades públicas são instrumentos essenciais na formação de pessoal qualificado em todas as áreas do conhecimento e na produção científica e tecnológica. São um  patrimônio do povo brasileiro, que deve ser preservado e aprimorado, mas que não pode ser desconstruído.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Monumento Liberdade, instalado no gramado da Biblioteca Central, homenageia os estudantes da UFMG Gildo Macedo Lacerda, Idalísio Soares Aranha Filho, José Carlos Novaes Mata Machado e Walkíria Afonso Costa, mortos pela ditadura militar
Monumento Liberdade, instalado no gramado da Biblioteca Central, homenageia os estudantes da UFMG Gildo Macedo Lacerda, Idalísio Soares Aranha Filho, José Carlos Novaes Mata Machado e Walkíria Afonso Costa, mortos pela ditadura militar Foca Lisboa/UFMG