Entre o remédio e o veneno

Artes, ensino visual e técnicas contemporâneas

A educação atual tem exigido novas tecnologias que atendam às demandas da realidade cultural constituída de novos atores sociais. Os principais motivos para as reformulações têm raiz no projeto educativo vigente: salas de aula do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21. As demandas atuais são bem específicas e exigem ações inovadoras no âmbito da coletividade. Olhar, ver e agir são ações que devem se  sequenciar frente à realidade.  Assim sendo, uma educação que invista na valorização do olhar, do ver, do perceber, do julgar e do agir se faz necessária. E quando se trata de percepção visual, estão em jogo o patrimônio, a paisagem e as artes, como elementos prioritariamente captados pela visão. 

Explicitamente, destaca-se a apropriação das paisagens e das artes entendidas como conhecimento adquirido por meio do visual, no âmbito das técnicas contemporâneas empreendidas na escola da atualidade. O ensino visual, sem excluir os alunos com deficiência, agrega educação, história e turismo na construção de novos diálogos e práticas escolares, tendo como princípio que o turismo pedagógico é a prática mais adequada à compreensão e interação com o espaço visualmente captado. Uma visitação turística desenvolve uma visão crítica que enxerga o mundo e suas múltiplas relações. A visão, como “sentido fisiológico”, pressupõe a construção de uma percepção filosófica. Tendo essa premissa básica como eixo norteador, a educação se refaz na perspectiva da construção de conhecimentos contextualizados e baseados na prática e no contato do indivíduo com seu meio social e cultural. Diversos educadores defendem que esse meio é um importante mecanismo facilitador do processo ensino-aprendizagem contemporâneo.

Trabalhos didáticos de turismo estruturam ações relevantes como guiar e educar de forma conjunta e articulada, correlacionando a história a outras áreas do conhecimento, em especial a geografia, a literatura, as artes visuais e as ciências naturais de maneira a ampliar os horizontes da educação e o fazer pedagógico. Mas sair da sala de aula, sem o devido preparo, não dinamiza essa potencialidade. O sair demanda todo um processo de preparação, que envolve o pré-campo, o campo propriamente dito e o pós-campo. Sem protocolos básicos, essa prática incorre em banalização e saturação. Algumas experiências de turismo escolar tem-se mostrado sucateadas e maçantes devido justamente à falta de um bom planejamento. Inventários sobre as cidades que possam ser trabalhadas pedagogicamente e o levantamento de suas potencialidades são indispensáveis para planejar a saída para o trabalho de campo. Executar projetos, tendo como foco o turismo pedagógico e recreativo, por sua vez, somente apresentará benesses se houver um pós-campo, um desdobramento da visita no cotidiano escolar, uma aplicação e conexão com a realidade estudada na sala de aula. 

O sair para o campo se conecta com o pensar a vida em sociedade e seus desdobramentos. Assim, com o objetivo de conciliar a teoria tradicionalmente desenvolvida em sala de aula às práticas de percepção, análise e interação em campo, faz-se necessária a articulação com a realidade social na qual o educando está inserido. Vários educadores têm atuado com propostas turísticas de ensino visual em diversas instituições de ensino da educação básica, apresentando e aplicando os elementos significativos dessa ferramenta didático-pedagógica diferenciada. A visita a museus e a espaços naturais e a apropriação dos espaços visitados se ampliam e se fortalecem. Permitir aos alunos transpor os limites da sala de aula para explorar as suas potencialidades por meio da investigação, do reconhecimento e da interação promove mudanças significativas na leitura e na compreensão de mundo. Ver alunos em campo participando e atuando ativamente na realidade/comunidade é vislumbrá-los futuramente integrados à ordem social como cidadãos engajados, conscientes e críticos. 

Outro ponto fundamental é a possibilidade de ampliar o acesso dos discentes ao legado histórico e artístico. História, educação e turismo também se fazem por meio dos muitos processos artísticos e culturais e se efetivam como grande recurso motivador para a compreensão do mundo em suas diversas nuances, dimensões e temporalidades.

O ensino visual e as artes como componentes de técnicas educativas contemporâneas contribuem significativamente para construir possibilidades e perspectivas sobre novos conhecimentos e métodos relacionados ao processo ensino-aprendizagem, visando à contínua melhoria de práticas educativas em campo. São as artes do povo, seus múltiplos patrimônios que, apropriados visualmente e filosoficamente pelos alunos, possibilitam novas apreensões e significados. Arte nos museus, no folclore, nos saberes e fazeres enunciam jeitos de ser e estar em diferentes temporalidades e espacialidades. Os olhos são a janela da alma, já dizia um velho ditado.

Referenciando práticas que tentam potencializar a criatividade para melhorar os processos de percepção e cognição, buscam-se métodos inovadores que estimulem  a imaginação, a curiosidade, a melhor  expressão e integração dos discentes com o meio. Ler o mundo para nele intervir será a mola propulsora de novos formatos educativos comprometidos com a construção de um novo homem e de um novo projeto de sociedade.


Flávia Henriques de Souza (Guia de turismo e historiadora) e Vagner Luciano de Andrade (Guia de turismo e geógrafo)