Das sufragistas às ativistas 2.0

Feminismos na mídia

Em tese, cientista política escrutina o modo como os movimentos de mulheres foram tratados jornalisticamente no Brasil nos últimos 95 anos

Desde a bandeira levantada pelas sufragistas sobre o direito ao voto, passando pelas discussões sobre violência contra a mulher, saúde sexual e reprodutiva, até os debates mais recentes envolvendo o assédio masculino em espaços públicos, as pautas feministas sempre foram acompanhadas de perto pela imprensa. “Essa cobertura jornalística, no entanto, é permeada por tensões, ironias textuais e apagamento de vozes”, afirma a pesquisadora Rayza Sarmento de Sousa, doutora em Ciência Política pela UFMG. 

Rayza defendeu, no ano passado, a tese de doutorado Das sufragistas às ativistas 2.0 – Feminismo, mídia e política no Brasil (1921 a 2016). Ela examinou 579 textos publicados no jornal Folha de S. Paulo, divididos em três momentos, que chamou de “ondas”. A primeira abarca o período de 1921 a 1959, quando o voto e o trabalho fora do lar eram os temas mais recorrentes na agenda do feminismo. Na segunda onda, de 1960 a 1989, a pauta feminista encontrava mais espaço nos cadernos de cultura. A terceira onda compreendeu o período de 1990 a 2016, quando a participação das mulheres na política e o ativismo em si foram os assuntos em evidência.

Sujeitos desviantes
A teoria política feminista e os estudos feministas de mídia foram incorporados à tese, de acordo com a pesquisadora, com a proposta de revisar o modo como os estudos de gênero interpelam questões centrais do pensamento político e da democracia. Rayza afirma que o movimento feminista “não esteve invisível, tampouco saiu de cena durante esses 95 anos. Nas três ondas, as conquistas da militância organizada ora eram enaltecidas, ora desacreditadas, em um contínuo vaivém”. A noção de que as feministas são sujeitos “desviantes” esteve presente em cada um dos períodos analisados, segundo a autora. “Em todas as ‘ondas’, as ativistas foram retratadas como opostas às ‘mulheres normais”. Além disso, o feminismo foi comumente retratado como uma ‘guerra contra os homens’”, destaca.

Rayza relata que os termos associados à concepção de feminismo como um “desvio” foram mudando ao longo dos anos. “Nas primeiras décadas do século 20, era comum a referência à feminista associada à ideia de ‘mulher-macho’. De 2010 em diante, o termo pejorativo ‘feminazi’ passou a figurar em colunas de opinião. Isso demonstra que o imaginário sobre as feministas construído nos primórdios do movimento ainda encontra ressonância”, observa.

Emergência da internet
“No início, os jornais focavam líderes feministas de forma personalizada. Com o passar do tempo, emergiu uma maior pluralidade de sujeitos e de pautas. Mais recentemente, os coletivos que se valem da internet como plataforma de atuação vêm tendo presença marcante na cobertura”, observa Rayza Sarmento.

Feminismo na Mídia 
Eleitoras do Rio Grande Norte, as primeiras a conquistarem o direito ao voto no Brasil, em 1928
Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino/Arquivo Nacional

Acima, eleitoras do Rio Grande do Norte, as primeiras a conquistarem 
o direito ao voto no Brasil, em 1928; abaixo, a ‘Marcha das vadias’, 
em Brasília, em 2011
‘Marcha das vadias’, em Brasília, em 2011 Elza Fiuza/Agência Brasil/Creative Commons/Attribution 3.0 Brazil

A pesquisadora entrevistou 12 mulheres ligadas a diferentes vertentes e gerações do feminismo brasileiro, incluindo negras, lésbicas, travestis, membros de ONGs e ativistas digitais, acionadas por meio das organizações de que fazem parte: Blogueiras Feministas, Católicas pelo Direito de Decidir, Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Centro Informação Mulher (CIM), Coletivo Transfeminismo, Fórum Nacional de Mulheres Negras, Instituto Patrícia Galvão, Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Marcha Mundial das Mulheres, SOS Corpo – ­Instituto Feminista para Democracia e União Brasileira de Mulheres. “As ativistas consideram essa mídia um espaço que precisa ser ocupado pelo ativismo, mas também um ator político que reproduz o machismo”, resume a pesquisadora, acrescentando que a internet figurou em várias falas como espaço importante de contranarrativa. 

A pesquisa, segundo a autora, evidencia a importância da investigação sobre a visibilidade pública de atores e atrizes sociais e políticos ao longo do tempo. “Além dos processos de consolidação de preconceitos e estereótipos, esse tipo de pesquisa ajuda a compreender os avanços nos debates sobre muitos temas”, considera.

Parte da pesquisa de Rayza Sarmento de Sousa foi desenvolvida, com subsídio de bolsa de doutorado-sanduíche, na Northumbria University, de Newcastle (Reino Unido). Lá, ela foi orientada pela professora Karen Ross, referência internacional nos estudos feministas de mídia. Graduada em jornalismo pela Universidade da Amazônia (PA), Rayza é professora-adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Tese: Das sufragistas às ativistas 2.0 – Feminismo, mídia e política no Brasil (1921 a 2016)
Autora: Rayza Sarmento de Sousa
Orientador: Ricardo Fabrino Mendonça
Defesa: 3 de maio de 2017, no Departamento de Ciência Política da Fafich

Matheus Espíndola