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Saúde mental na UFMG: uma rede em movimento

A Rede Saúde Mental da UFMG nasceu em 2014 e, desde então, tem-se constituído em espaço de encontro, debate e articulação entre diversos grupos, núcleos e laboratórios de extensão, ensino, pesquisa e de serviços. Seu objetivo é construir uma agenda de trabalho continuada e interdisciplinar sobre saúde mental, políticas públicas e cidadania. Uma de suas mais importantes ações é a Semana de Saúde Mental e Inclusão Social, que, em 2018, ocorrerá de 14 a 18 de maio.

Foi na edição de 2015 – durante um Conversatório entre setores acadêmicos, de escuta e acolhimento – que a Rede foi interpelada por uma estudante que compartilhou a experiência de ser uma pessoa com sofrimento mental na universidade. A partir daquele momento, a Rede elaborou e encaminhou documento no qual solicitava ao reitor e à vice-reitora da UFMG a instituição de comissão para propor diretrizes para uma política de saúde mental da e na UFMG. Essa solicitação foi acolhida imediatamente, e, em outubro de 2015, a Comissão Institucional de Saúde Mental (Cisme) iniciou os seus trabalhos. 

O relatório elaborado pela Comissão é um documento que indica caminhos para nortear as ações institucionais e da comunidade acadêmica. Esse relatório foi apresentado durante a 5ª Semana de Saúde Mental (2017). Aqui retomo e comento os quatro princípios contidos no documento que orientam a política de saúde mental da e na UFMG:

Universidade para todos: acolhedora, flexível, acessível, inclusiva e solidária – Esse princípio destaca a necessária articulação com a política institucional de direitos humanos de nossa universidade e recomenda que uma posição acolhedora e inclusiva deve abranger setores específicos, como as escutas acadêmicas e os serviços de acolhimento, mas também reforça a necessidade de construção permanente de uma universidade acolhedora, em todas as suas dimensões e práticas. Em outras palavras: não basta investir em setores especializados no acolhimento se as demais instâncias da universidade não se propuserem a transformar esse princípio em ação.

Protagonismo das pessoas com a experiência de sofrimento mental – Esse princípio impõe a necessidade de abandonarmos o olhar e a abordagem estigmatizantes e de exclusão em relação aos sujeitos que passam por situações de sofrimento mental. Ele nos convoca a considerar, de forma central, as pessoas com a experiência do sofrimento mental nos processos de construção das políticas. Nesse sentido, o Conversatório, instituído durante a 3ª Semana de Saúde Mental (2015), é um exemplo de boa prática, pois favorece a troca de experiências, a ampliação da escuta e a reformulação de ações. 

Respeito à vida e aos valores éticos da convivência humana – Historicamente, a sociedade brasileira e suas instituições têm dimensões marcadas por práticas autoritárias, hierarquizantes e de exclusão. Formas manicomiais de abordar a diferença produziram e produzem desigualdade, violando direitos humanos e sociais. No cotidiano de nossa universidade, essas atitudes se traduzem em situações concretas de humilhação, desqualificação das experiências dos sujeitos, prescrições de formas de vida e pensamento sem a devida valorização do debate, da diversidade e da liberdade. Tudo isso deve ser permanentemente questionado. Por outro lado, os exemplos de boas ações se multiplicam. Estamos empenhados em colaborar com a visibilidade e o reconhecimento dessas iniciativas que partem de docentes, estudantes e servidores técnico-administrativos e indicam possibilidades concretas de construção de espaços positivos, prazerosos e criativos. 

Sintonia e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS); da Política Nacional de Saúde Mental (Lei 10.216/2001) e de todo o arcabouço legal que compõe e orienta os programas municipal, estadual e nacional de saúde mental para o tratamento territorial/comunitário em liberdade; da Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (PASS) e da Política de Direitos Humanos da UFMG (Resolução 09/2016, de 31/05/2016) – Nesse último princípio, são indicadas normativas relacionadas a movimentos, lutas e processos por democratização que marcam a história da sociedade brasileira e de nossa universidade nas questões de saúde mental e  direitos humanos. Ao elaborarmos ações e políticas, é fundamental que o façamos em diálogo com as políticas de nossa cidade, estado e país. Vários grupos, núcleos e laboratórios de ensino, pesquisa e extensão que lidam com a temática e integram a Rede de Saúde Mental têm colaborado na elaboração, implementação e avaliação dessas políticas públicas e dispõem de ferramentas para fortalecer e qualificar a política de saúde mental da e na UFMG. 

É admirável identificar que parte da comunidade da UFMG acolheu o trabalho da Cisme e tem-se mobilizado para programar ações concretas. A Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (juntamente com a Fump) e a Pró-reitoria de Recursos Humanos, por exemplo, buscam reformular suas práticas e serviços com base nesse relatório. Unidades acadêmicas têm criado serviços de escuta acadêmica e acolhimento. Estudantes multiplicam atividades de rodas de conversa e eventos. Servidores docentes e técnico-administrativos se apresentam para colaborar nessa construção. Ainda há muito trabalho a fazer, mas é importante reconhecer que parte da comunidade encontra-se em movimento e está disposta a repensar-se e reposicionar-se em relação a problemas tão complexos.

 Além disso, bem sabemos da crise político-institucional que o país vive. É o momento de juntos resistirmos e defendermos a universidade pública e os valores democráticos, de liberdade e autonomia – valores também essenciais para uma política de saúde mental articulada com os direitos humanos. Nesse sentido, faço um convite para participação na 6ª Semana da Saúde Mental e Inclusão Social, que pretende aprofundar essas reflexões e articulações. Com o tema Esperança resistente – amanhã vai ser outro dia, reforçaremos a necessidade da resistência e a urgência da esperança. 

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Claudia Mayorga / pró-reitora de Extensão e professora do Departamento de Psicologia da UFMG