Impulso à proficiência

Uma breve incursão aos primórdios do ICB

No início dos anos 1970, sete dos nove departamentos do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) funcionavam no prédio da Faculdade de Medicina, excetuando-se os de Biologia Geral, que ficava na antiga Fafi, e o de Botânica, juntamente com o Setor de Zoologia do então Departamento de Zoologia e Parasitologia, instalados no Museu de História Natural e Jardim Botânico. Na Faculdade, pouco antes dos horários das aulas, longas filas formavam-se defronte às portas dos dois elevadores, especialmente quando faltava energia no prédio ou quando o ascensorista, Olivier, anunciava algum defeito nos elevadores. Essa situação acabava por  favorecer a comunicação entre as pessoas.

Cada departamento contava apenas com uma linha telefônica. Na Parasitologia, o aparelho ficava na Secretaria, e, apesar do controle e vigilância, quase sempre suas altas contas, incluindo excessivos interurbanos, consistiam no principal assunto das reuniões departamentais. Posteriormente, soube-se que, mesmo com o dial trancado, algumas pessoas conseguiam completar suas ligações, dedilhando no interruptor vários toques correspondentes ao número desejado.

Todos os professores recebiam, anualmente, dois aventais brancos de manga comprida, com a sigla ICB, bordada, em azul ou vermelho, sobre o bolso esquerdo superior. Nas salas de aulas, os quadros eram negros e não azuis ou verdes, ou lisos e brancos como os de hoje, com o giz substituído pelo pincel atômico. Naquele tempo, os projetores de slides eram manuais e retangulares e, posteriormente, providos de carrossel circular giratório e manejados por controle remoto, com os slides confeccionados pela dupla Marcos/Paulinho. Atualmente, estão eles sendo substituídos por aparelhos “multimídia”.

Os textos, exercícios e provas eram encaminhados à gráfica, onde o senhor Wilson comandava as impressões à tinta. 

As dissertações de mestrado, então chamadas de “teses”, inicialmente datilografadas em máquinas comum, passaram a ser digitadas nas elétricas, IBM ou Olivetti, hoje também esquecidas. Não se faziam ainda fotocópias no ICB, onde atualmente impressoras de computadores realizam cópias de boa qualidade. As encadernações, tais como livros, não eram feitas com argolas e capas de plástico. 

A admissão dos docentes realizava-se mediante indicação ou seleção de ex-estagiários ou monitores. Com o advento da pós-graduação, esses docentes foram os primeiros alunos admitidos nos cursos, diferentemente do procedimento atual, em que o doutorado é pré-requisito para preenchimento de vaga. Os primeiros quadros, essencialmente endógenos, incluíam, assim, poucos professores com o título de doutor. 

A carreira docente compreendia as categorias de auxiliar de ensino, assistente, adjunto e titular, com os assistentes perfazendo 71% do total. A idade média dos professores era de 38,5 anos, porém, considerando-se apenas os assistentes, essa média caía para 27-28 anos. Quatro eram também os regimes de trabalho: 12h, 24h, 48h e DE, este último incluindo um maior número de professores, chegando até a haver um órgão especial para administrá-lo, a Copertide (Comissão Permanente de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva), da qual o professor Ênio Cardillo Vieira era presidente. Os contracheques continham duas folhas, uma relativa ao vencimento básico e outra referente à complementação salarial conforme o regime trabalhado, impressas em papel verde ou amarelo, aplicando-se os seguintes valores para remuneração: 12h (x), 24h (2x), 40h (4x), DE (4x+20%).

As chefias de departamentos e as coordenações de cursos eram exercidas pelos mais graduados ou experientes. Ao contrário de hoje, a coordenação de graduação era uma função de prestígio. As provas dos cursos de graduação, muitas vezes aplicadas à noite, motivavam boas confraternizações logo após o seu término: o pessoal concentrava-se num barzinho localizado em um posto de gasolina, defronte ao prédio da Faculdade. As defesas de “teses” e seminários despertavam grande interesse. A pesquisa, fortemente impulsionada pelos cursos de pós-graduação, motivou a realização do 1º Encontro de Pesquisa do ICB, em 1971, com números expressivos de trabalhos inscritos e participantes. À época, vários docentes recebiam convites para também apresentarem os seus trabalhos em reuniões da Sociedade Mineira de Biologia, realizadas regularmente na Faculdade. Intercâmbio de artigos publicados fazia-se por meio de cartões especiais. O número de cartões recebidos indicava a abrangência e o impacto desses artigos.

Por fim, é importante salientar que o ICB dos primeiros tempos caracterizou-se como uma instituição de grande integração e convívio entre professores, funcionários e estudantes, numa época em que as relações eram pessoais, diretas, e a vida, mais humana, haja vista a participação ativa de seu pessoal em diversas festas, torneios, sessões cinematográficas, jogos de baralho, competições esportivas (futebol, futebol de salão, tênis de mesa e até tiro ao alvo). Ainda não existiam TV em cores e a cabo, videocassetes, DVDs, antenas parabólicas, computadores individuais, telefone celular, internet, smart­phones, pendrives e ­WhatsApps. O BOLETIM auxiliava a interação de pessoas graças às notícias veiculadas: portarias, homenagens, promoções, defesas de teses, afastamentos, aniversariantes e até casamentos. Todos eram jovens, vibrantes e idealistas. É uma pena que as atribulações do mundo moderno, o avanço dos recursos eletrônicos, a multiplicidade de atividades e a cobrança cada vez mais intensa de tarefas tenham arrefecido os entusiasmos de outrora!

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Pedro Marcos Linardi - professor emérito, vinculado ao Departamento de Parasitologia do ICB