Guinada conservadora

UFMG, meu lugar

Começo este texto admitindo que, talvez, eu não seja exatamente a melhor pessoa para apresentar a estudantes calouros a vida universitária –  ou como ela pode vir a ser. Digo isso em razão do modo não planejado que marcou a minha trajetória de estudante e depois de professor universitário. 

Fiz graduação em Ciências Sociais, mestrado em Sociologia e doutorado em Educação – tudo na UFMG, mas sem planejamento. Tudo foi se desenrolando de forma que o êxito obtido em determinado nível me motivava a ingressar no seguinte, confiante em  que chegaria a concluí-lo. 

Aos 19 anos, prestei vestibular na UFMG e abandonei o trabalho como office-boy em um renomado escritório de advocacia de Belo Horizonte. Por que prestar vestibular na UFMG? Era o que alguns de meus amigos me perguntavam.

Muitos de vocês já não sabem o que é vestibular. Vestibular já é coisa do passado, pelo menos no nome. Para mim, vestibular era sinônimo de muita angústia – uma empreitada dividida em duas etapas para a qual nos preparávamos durante um, dois, três anos ou mais. Depois que fui aprovado na primeira etapa, passei todo o Natal com livros em cima da mesa da ceia, preparando-me para a segunda, ainda mais angustiante. 

Mas por que abrir mão de tantas coisas boas da juventude para prestar esse tal de vestibular? Por que deixar de curtir os fins de semana com amigos, as festas em família, as tardes preguiçosas? Às pessoas que me questionavam, eu dava as seguintes respostas: “Para ser alguém na vida”. “Preparar-me para o mercado de trabalho”. Quem nunca pensou assim?

Analisando agora, tratava-se de um plano ousado; afinal, fazer curso superior – e ainda por cima em uma universidade pública como a UFMG – não era para qualquer um. Por outro lado, a UFMG era uma de minhas únicas opções, caso quisesse levar adiante a ideia de fazer um curso superior. Na década de 1990, fazer um curso em universidades ou faculdades privadas era bastante complicado, já que o financiamento estudantil era bastante restrito, e o programa Universidade para Todos (Prouni) nem começara a ser discutido. 

Durante meu curso de graduação, tive um sem-número de experiências acadêmicas: trabalhei no Hospital das Clínicas, recebendo uma modalidade de bolsa trabalho, atuei como estagiário em uma secretaria de registro acadêmico da Fafich, ingressei no PET, grupo de iniciação científica altamente concorrido na UFMG, participei de projetos de extensão e pesquisas no Programa Observatório da Juventude e Ações Afirmativas, ambos da Faculdade de Educação, e atuei como monitor de algumas disciplinas no curso de Ciências Sociais. Enfim, fiz de quase tudo um pouco na pesquisa, na extensão e no ensino, o tripé da universidade.  Essa é uma experiência que vocês certamente terão!

Além dessas tantas experiências acadêmicas, é preciso mencionar os momentos de lazer e diversão: as inúmeras calouradas de que participei, as tardes de sextas-feiras jogando futebol com os amigos de curso, as noites de quinta e sexta nos bares no entorno do ­campus, entre outros.  Os amigos e as amigas que fiz nesses espaços me acompanham até hoje, uns mais próximos, outros nem tanto.

Não digo isso apenas por nostalgia. Estou mencionando todas essas experiências para dar a vocês a dimensão das múltiplas possibilidades que se abrem a partir do ingresso em uma universidade como a UFMG, instituição pública federal, gratuita, de qualidade e cada vez mais diversa. A universidade é – e precisa continuar sendo – um universo de possibilidades. Por isso, como mensagem de boas-vindas aconselho: vivam o presente. Experimentem as múltiplas possibilidades que essa universidade lhes proporciona. Estudem, namorem, façam política, estudem, descubram, experimentem, estudem... Em resumo: sejam disciplinados e também indisciplinados. A disciplina certamente os ajudará a obter êxito, a se adaptar às regras acadêmicas. Mas nunca se esqueçam que é a indisciplina que possibilita o surgimento do novo, de uma nova ideia, de novos comportamentos.

Tenho plena consciência de que, ao mencionar as potencialidades que se abrem ao ingressar na universidade, corro o risco de pintar de cor de rosa a vida dentro dos seus muros. Não quero fazer isso, pois bem sei que a universidade também é o espaço do conflito. Vivo muitos, e foram eles que me tornaram o que sou hoje. O conflito pode emergir em sala de aula, na relação com os professores ou mesmo com os colegas, com os profissionais terceirizados, com os servidores técnico-administrativos, com os visitantes, com nós mesmos. Particularmente, acredito que o conflito deveria ser uma marca constante e altamente valorizada na universidade. Não creio que nossos problemas se assentem na existência de conflitos, mas creio que residem em nossas dificuldades em reconhecê-los e lidar com eles. 

Penso, portanto, que a existência de conflitos e, principalmente, de formas democráticas de enfrentá-los deve ser característica fundamental de uma universidade/sociedade que se pretende diversa e plural. Em tempos de cólera e ódio nas relações pessoais e nas redes sociais, é preciso repetir que não é possível existir pluralismo sem democracia, mas também é impossível existir democracia sem pluralismo. Para exercitar o pluralismo e a democracia, precisamos ampliar os espaços de encontros e os tempos de diálogos, particularmente no que se refere aos conflitos.

Muitas pessoas que compõem esta grande comunidade assumirão com vocês o compromisso de construir uma universidade cada vez melhor, mais plural, mais democrática e mais participativa, um lugar do qual vocês se orgulhem de chamar de meu lugar. Afirmo que nós também gostaríamos de dividir essa responsabilidade com vocês. Agora vocês também são UFMG. Esta comunidade também lhes pertence! 

[Este artigo é uma síntese da palestra Juventudes na Universidade: para viver a UFMG, que o autor proferiu durante a recepção de calouros]


Rodrigo Ednilson de Jesus, pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis e membro da Coordenação do Programa Ações Afirmativas na UFMG