Em campo, no Egito
Projeto inicia em janeiro escavação de tumbas na região de Luxor; missão inclui iniciativas de caráter antropológico e cultural
Durante 50 dias, a partir de 10 de janeiro de 2019, equipe de projeto coordenado na UFMG trabalhará na primeira fase das escavações da Tumba Tebana 123 (TT 123), na Necrópole de Luxor, no Egito. Os arqueólogos vão explorar a sala anexa à câmara funerária, que tem cerca de 12 metros quadrados e pé direito de 5 metros. A sala será usada para acondicionamento e análise de material, que não pode deixar a Necrópole.
A expectativa dos pesquisadores é muito positiva: um primeiro esforço de limpeza da tumba revelou pedaços de sarcófagos e múmias e uma estátua que indica grande probabilidade de que a TT 123 esteja bem preservada.
O projeto de escavação, restauração e conservação das Tumbas Tebanas 123 e 368, na margem oeste do Nilo – chamado de Projeto Amenenhet, em referência ao proprietário da TT 123 –, integra o Programa Arqueológico Brasileiro no Egito (Bape, na sigla em inglês), criado em 2015 na Universidade Federal de Sergipe. No ano seguinte, o projeto foi aprovado pelo Ministério das Antiguidades egípcio e, no ano passado, foi trazido para a UFMG pelo professor José Roberto Pellini, que passou a integrar o Departamento de Antropologia e Arqueologia da Fafich.
“Trata-se de tumbas ainda inéditas e de grande potencial arqueológico. Já encontramos relevos e inscrições de boa qualidade e cenas raras ou mesmo inéditas”, explica o coordenador, que trabalha com arqueólogos egípcios e pesquisadores da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina. As múmias serão estudadas por antropólogas forenses da Corte de Haia.
Tumba clássica
A Tumba Tebana 123 é de Amenenhet, sacerdote que ocupava diversos cargos, entre os quais o de contador de pães, que eram distribuídos como parte dos salários no Egito Antigo. O nobre serviu ao faraó Thutmosis III, da 18ª Dinastia, por volta de 1800 antes de Cristo. Em formato de T, a tumba tem 25 x 3 metros de frente e um corredor principal de 50 x 3 metros. Segundo José Roberto Pellini, trata-se de uma tumba clássica da 18ª Dinastia, que tem a estátua do morto no final do corredor e salas que reúnem seus bens.
Na segunda etapa de escavações, em 2020, os arqueólogos vão explorar a câmara funerária. “Não temos ideia do que vamos encontrar, não há como saber ainda se ela está intacta ou foi usurpada”, diz o coordenador. A tumba conta com dois poços funerários, um no interior e o outro na parte externa. “Ainda não mexemos nesse segundo poço, que pode ser um ambiente de consagração”, supõe o arqueólogo.
Quanto à TT 368 – que abriga Amenhotep, chamado Huy, superintendente do ateliê de escultura do faraó –, seu estilo e decoração sugerem que tenha sido construída na época de Ramsés II, na 19ª Dinastia. Ela parece ter um quarto da área de TT 123, com a qual se conecta, e corre risco de ruir, razão pela qual só poderá ser escavada depois de passar por serviços de estabilização da estrutura. “O retorno esperado da 368 é diferente, porque há indícios de que ela foi habitada no século 16”, salienta Pellini.
Narrativas alternativas
José Roberto Pellini é, segundo ele próprio, um dos poucos egiptólogos a denunciar e questionar a retirada da população local em nome do turismo e da valorização exclusiva do Egito faraônico. Essa preocupação é uma das inspirações para a vertente antropológica do Projeto Amenenhet, que conta com a participação dos pesquisadores de Córdoba e do antropólogo Rogério do Pateo, da UFMG. Essa parte do projeto, que já gerou artigos e apresentações em congressos internacionais, aborda o misticismo islâmico moderno e o uso dos sítios arqueológicos em práticas consideradas não ortodoxas da religião muçulmana, como a visita às tumbas e outros locais em busca de bênçãos. As pesquisas também tratam de crenças relacionadas à presença de espíritos e entidades nos sítios e do uso de alucinógenos, no passado e no presente.
Ainda como forma de interação com as comunidades de Luxor, o Projeto Amenenhet trabalha no desenvolvimento de narrativas alternativas ao discurso acadêmico. “Queremos explorar novos modos de formar e disseminar o conhecimento. Artistas de diversas partes do Egito têm sido convidados a interpretar as tumbas e a paisagem do entorno, por meio de música, pintura e performances”, explica José Roberto Pellini. Também estão sendo produzidos vídeos em 360 graus que servirão não apenas aos pesquisadores impedidos, por ora, de compor a equipe de campo, mas também à divulgação para o público em geral. Segundo o coordenador, a utilização de realidade virtual é inédita em projetos do gênero.
O projeto arqueológico coordenado pela UFMG – que já conta com apoio logístico e institucional da Administração Central e pleiteia recursos da Fapemig e do CNPq – constitui a primeira missão brasileira no Egito. “O Bape e o Projeto Amenenhet demonstram a maturidade e a qualidade teórica e metodológica da arqueologia brasileira, que começa a se destacar em ambiente dominado há séculos por nações hegemônicas”, afirma José Roberto Pellini. Outras informações estão na página do Bape no Facebook.