O preço da floresta

Conservar é o caminho

Em artigos, pesquisadores da UFMG defendem retomada de ações de preservação e precificam serviços ecossistêmicos na Amazônia

Área ribeirinha com vegetação ao fundo em Santarém (PA): medidas adotadas na década passada contribuíram para reduzir o desmatamento
Área ribeirinha na Amazônia com vegetação ao fundo: medidas adotadas na década passada contribuíram para reduzir o desmatamento Marcos Amend

A Amazônia tem ainda 80 milhões de hectares de terras não designadas – metade delas não ocupadas. Essa área deve ser protegida, por meio de demarcação e manutenção, antes que seja apropriada indevidamente e desmatada. Em artigo publicado na última edição da revista Nature Sustainability, sob o título Traditional conservation strategies still the best option, os professores Britaldo Soares-Filho, do Instituto de Geociências (IGC), e Raoni Rajão, da Escola de Engenharia, defendem ainda a retomada de ações de regulamentação, monitoramento e fiscalização por parte do governo e o reforço nos investimentos em pesquisa científica.

No texto, os pesquisadores lembram que, de 2004 a 2012, o desmatamento foi reduzido na Amazônia em 84%, graças a avanços nesse campo, como a lei que tipifica crimes ambientais, a criação e expansão de áreas protegidas, a moratória da soja, a suspensão de crédito a produtores rurais de municípios que desmatam e ações do Ministério Público. 

“O sucesso foi resultado também de ativismo ambiental e de ciência aplicada a políticas públicas, com dados transparentes e cada vez mais disponíveis. O terceiro setor e a academia forneceram pessoas para cargos técnicos importantes”, diz Raoni Rajão, ressalvando que, nos últimos seis anos, os lobbies do setor rural exerceram pressão para o relaxamento das exigências legais, com anistia a desmatadores, licenciamento ambiental facilitado e permissão para mineração em áreas indígenas.

Os autores afirmam ainda que o movimento ambientalista deixou de enfatizar as estratégias bem-sucedidas no passado para buscar incentivos positivos para o agronegócio. Segundo Britaldo Soares-Filho, “a aliança entre o agronegócio e os ambientalistas não trouxe benefícios para a conservação. É hora de repensar essa estratégia e retornar ao que vinha surtindo efeito, com foco na contribuição da ciência e na demarcação de áreas indígenas e expansão e fortalecimento das unidades de conservação”. 

Amazônia de pé
Soares-Filho e Rajão são também coautores do artigo Spatially explicit valuation of the Brazilian Amazon Forest’s ecosystem services, publicado no mesmo número do periódico, que divulga esforço inédito de precificação de serviços ecossistêmicos na Amazônia, realizado pelo Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e pelo Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa), ambos vinculados à UFMG, e por grupo da Universidade de Viçosa (UFV), com financiamento do Banco Mundial.

No artigo, grupo internacional liderado pelos pesquisadores da UFMG calcula o valor da Floresta Amazônica como provedora de produtos como a castanha do Brasil, o látex e a madeira extraída  de forma sustentável. No texto, o grupo também precificou a prevenção do fogo e serviços ambientais como a regulação de chuvas – que afetam a produção pecuária e de grãos e a geração de energia hidrelétrica – e a mitigação das emissões de gases do efeito estufa. 

O artigo enfatiza que a preservação por si só já traz benefícios econômicos importantes para o país. Segundo os autores, o agronegócio deve reconhecer que a produção depende das vastas florestas e outras vegetações nativas, que ainda cobrem cerca de 60% do território brasileiro. “O desmatamento terá efeito negativo sobre a produção e os rendimentos agrícolas. Promover o desmatamento é matar a galinha dos ovos de ouro da própria agropecuária”, afirma Raoni Rajão.

O valor somado de serviços diversos pode chegar, em determinadas áreas, a 737 dólares por hectare/ano, muito superior ao gerado, por exemplo, pela pecuária de baixa produtividade. “A floresta em pé é muito mais valiosa do que derrubada, sobretudo se apropriada por poucos”, enfatiza Britaldo Soares-Filho, salientando que a precificação se valeu de cálculo direto, com base em modelos quantitativos e geográficos.

Pequeno espectro
De acordo com Raoni Rajão, é preciso considerar que os cálculos englobam apenas um pequeno espectro dos serviços ambientais. “Trabalhamos com valores mensuráveis. Há serviços ambientais da Floresta Amazônica que nem podemos imaginar, como aqueles relacionados ao patrimônio genético ainda desconhecido”, diz o professor do Departamento de Engenharia de Produção. 

Os autores afirmam que há áreas de valor mais elevado, como a região central da Amazônia Legal, mas outras regiões altamente biodiversas não são menos importantes – esse é um aspecto ainda não valorado economicamente, assim como os estoques de carbono. Britaldo Soares-Filho acrescenta que “a precificação dos serviços ambientais é essencial para o desenho de estratégias que combinem proteção com o uso sustentável da floresta”. O estudo está disponível também em plataforma web interativa (amazones.info).

Artigo: Spatially explicit valuation of the brazilian amazon forest’s ecosystem services
Autores: Jon Strand, Britaldo Soares Filho, Marcos H. Costa, Ubirajara Oliveira, Sonia C. Ribeiro, Gabrielle F. Pires, Aline Oliveira, Raoni Rajão, Peter May, Richard van der Hoff, Juha Siikamäki, Ronaldo S. da Motta, Michael Toman
Artigo: Traditional conservation strategies still the best option
Autores: Britaldo Soares Filho e Raoni Rajão
Publicação: Nature Sustainability, de 13 de novembro de 2018

Itamar Rigueira Jr