E o pó virou produto

Do pó à sofisticação

Professor da Escola de Arquitetura desenvolve processo que usa resíduos da indústria moveleira na obtenção de material baseado em madeira granulada para fabricação de objetos

Imagem renderizada de uma linha de bowl, luminária e porta-copo: mistura do resíduo de madeira com aglutinante
Imagem de uma linha de bowl, luminária e porta-copo: mistura do resíduo de madeira com aglutinante Alessandro Policarpo

Entre aparas de madeira, serragem e pó de MDF (sigla para placa de fibra de média densidade), estima-se que, somente na capital mineira, as indústrias moveleiras gerem 300 toneladas de resíduo ao mês. A maior parte, segundo o professor Glaucinei Rodrigues Corrêa, da Escola de Arquitetura da UFMG, é descartada incorretamente. “Alguns fabricantes jogam os restos em aterros sanitários, outros doam para granjas ou padarias”, informa. Essa destinação é ambientalmente muito danosa, especialmente em razão da presença de componentes químicos no MDF, como a ureia-formaldeído. “Se aspirada ou ingerida, a substância é potencial causadora de câncer”, alerta o docente.

A ideia de reaproveitar esse resíduo na fabricação de uma “madeira plástica”, combinando-o com um polímero, surgiu em 2004, quando Glaucinei ainda cursava o mestrado em Engenharia de Materiais. “Naquela ocasião, não encontrei interessados em aplicar o processo industrialmente”, relata o professor. Em 2013, motivado pela demanda de uma aluna com projeto de trabalho de conclusão de curso de Design, ele decidiu resgatar a pesquisa.

O processo consiste na mistura da serragem (derivada da madeira maciça) ou do pó de MDF com um aglutinante específico, semelhante à cola branca escolar. No primeiro caso, a proporção de resíduo é de 30%, enquanto no segundo é de 40%. Colocada em uma prensa que tem o molde do produto, a massa é submetida a certas condições de temperatura e pressão, durante o tempo necessário para a obtenção da textura e da cor desejadas, propiciando a obtenção do material e o acabamento estético em uma só etapa. É possível, também, adicionar algum corante. “Foram necessários cerca de três anos de experimentos para encontrar o resultado ideal”, relata Glaucinei Rodrigues.

Glaucinei Rodrigues Corrêa (centro) com estudantes envolvidos no desenvolvimento dos objetos
Glaucinei Rodrigues Corrêa (centro) com estudantes envolvidos no desenvolvimento dos objetos Natália Neto Rosa

Entre os objetos desenvolvidos, estão petisqueiras, porta-copos, bowls, cachepôs, bandejas e luminárias. “Dependendo do acabamento, com aplicação de verniz ou óleo, o utensílio pode ser mais resistente à água e a intempéries. Sua resistência mecânica é próxima à do próprio MDF”, descreve o professor. 

A produção ambientalmente sustentável e o design sofisticado são, do ponto de vista do seu idealizador, os principais atributos que agregam valor aos objetos. O depósito do pedido de patente da tecnologia foi realizado, neste mês, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e o registro dos objetos produzidos será solicitado em breve. A previsão é que a tecnologia seja licenciada para uma associação de reciclagem da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Parceria

Para a execução do projeto, batizado com o nome de Ligno, Glaucinei Rodrigues recorreu ao sindicato que reúne as indústrias moveleiras de Minas Gerais, o Sindimov. Metade das 84 empresas afiliadas concordou em participar da pesquisa, que traçou um panorama da destinação de resíduos na região. 

Os pesquisadores receberam R$ 30 mil do CNPq – por meio de edital que vigorou de 2015 a 2017 – para condução dos estudos, aquisição de equipamentos e realização de testes. Ao longo do período, a equipe, formada por especialistas do sindicato, professores e 10 estudantes (entre bolsistas e voluntários) da Escola de Arquitetura da UFMG, visitou as indústrias e conheceu os processos.

“Muitos dos proprietários nem tinham noção da quantidade de serragem e pó gerados, já que despejavam em tambores e caçambas, sem qualquer controle”, conta o professor. Conforme seus cálculos, um plano excepcional de corte (sem sobras de madeira) de uma chapa de MDF, com 1,5 cm de espessura, 183 cm de largura e 275 cm de comprimento, gera aproximadamente 1kg de pó. 

 Pequenas indústrias moveleiras podem reaproveitar o próprio resíduo para fabricar peças como encostos, pés ou banquinhos.

Glaucinei Rodrigues esclarece que o processo é adequado para a fabricação de produtos que saem prontos da prensa, o que é vantajoso por não exigir processos de usinagem, evitando, portanto, a geração de mais resíduos. Ainda de acordo com o professor, a tecnologia de transformação do pó de MDF em produtos está dominada. No caso da serragem como matéria-prima, ainda é necessário desenvolver um desmoldante que possibilite a retirada dos objetos da prensa sem danificá-los. Em 2018, o vínculo com o CNPq foi renovado, e a pesquisa receberá mais R$ 37 mil até 2021.

O investimento relativamente baixo exigido pelo processo torna factível sua replicação até mesmo em marcenarias modestas, como explica Glaucinei Rodrigues: “Pequenas indústrias moveleiras podem reaproveitar o próprio resíduo para fabricar peças como encostos, pés ou banquinhos. Para isso, precisam adquirir somente o molde, a prensa e uma encoladeira de partículas de madeira. Além de retirar da natureza materiais agressivos, a solução também gera novos empregos e renda”, conclui o professor.

Matheus Espíndola