A casa dos nanos

Pedagogia bossa nova

As sucessivas crises financeiras evidenciam grave desproporção entre o Estado e a economia, entre o interesse pessoal e o público, entre o capital e o trabalho, entre o Norte e o Sul. Precisamos de Estados fortes, capazes de impor regras ao setor privado e ordem aos mercados. Precisamos de políticos menos influenciados por interesses particulares, de maior cooperação no uso de recursos naturais, de diversificação do comércio global. O Brasil sabe que toda crise é também uma oportunidade para fazer valer nossa “economia criativa”. É difícil prever a dimensão e a complexidade das oportunidades, dos desafios e das mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais. Já somos sete bilhões de habitantes na Terra: um bilhão passa fome, e em nenhum outro momento da nossa história tanto conhecimento foi gerado e compartilhado.

A globalização, a internet e outras tecnologias têm impactado a forma como pensamos, agimos e nos relacionamos. Só em 2010,  foi gerada mais informação do que nos cinco mil anos anteriores. Até 2020, a quantidade de informações digitais crescerá 44 vezes. Em 2023, quando os alunos que hoje têm 11 anos estiverem começando suas carreiras, eles terão acesso a tablets com mais capacidade computacional do que a de um cérebro humano. Em 2050, os jovens terão no bolso aparelhos móveis com mais capacidade do que a de todos os cérebros do planeta, juntos. Diferentemente de seus pais e avós, os alunos de hoje mudarão de emprego mais de dez vezes antes dos 40 anos e provavelmente exercerão funções que ainda não foram criadas.

A globalização, a internet e outras tecnologias têm impactado a forma como pensamos, agimos e nos relacionamos. Só em 2010, mais informação foi gerada do que nos cinco mil anos anteriores. Até 2020, a quantidade de informações digitais crescerá 44 vezes.

Esse cenário exige que o atual modelo de escola seja transformado. O pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa (1949-2011) sugeriu que devemos inovar em conteúdo, método e gestão e utilizar o que nós, brasileiros, temos de melhor, como a diversidade, a criatividade e o “rebolado” – elementos tão caros ao modelo por ele chamado de “pedagogia bossa nova”. Essa escola de alma brasileira foi assim contada por Tom Zé e Vicente Barreto, em Vaia de bêbado não vale (Imprensa cantada, 1999):

“Primeira edição/ No dia em que a bossa nova inventou o Brasil/No dia em que a bossa nova pariu o Brasil/ Teve que fazer direito/Teve que fazer Brasil/ Criando a bossa nova em 58/ O Brasil foi protagonista/ De coisa que jamais aconteceu/ Pra toda a humanidade/Seja na moderna história/ Seja na história da antiguidade/ E por isso, meu nego,/ Vaia de bebo não vale/ De bebo vaia não vale/Segunda edição/ No dia em que a bossa nova inventou o Brasil/ No dia em que a bossa nova pariu o Brasil/ Teve que fazer direito/ Teve que fazer Brasil/ Quando aquele ano começou, nas Águas de Março de 58,/ O Brasil só exportava matéria-prima/ Essa tisana/ Isto é o grau mais baixo da capacidade humana/ E o mundo dizia/ Que povinho retardado/ Que povo mais atrasado/ Terceira edição/ No dia em que a bossa nova inventou o Brasil/ No dia em que a bossa nova pariu o Brasil/ Teve que fazer direito/ Teve que fazer Brasil/ A surpresa foi que no fim daquele mesmo ano/ Para toda a parte/ O Brasil d’O Pato/ Com a bossa nova, exportava arte/ O grau mais alto da capacidade humana/ E a Europa, assombrada:/ ‘Que povinho audacioso’/ ‘Que povo civilizado’”.

Educação é uma escolha do futuro que queremos construir desde já, a partir de agora, no momento presente. Para tanto, “quando o desejo, o querer-ser, passa pelo crivo da razão, ele se transforma num projeto de vida, ou seja, num sonho com degraus, num trajeto com etapas, que devem ser vencidas para se atingir o fim almejado. O projeto frequentemente se transforma numa visão de futuro, numa espécie de memória de coisas que ainda não aconteceram, mas que, se assumidas com determinação e esforço, podem tornar-se realidade. É neste momento que a vida [...] passa a ser revestida de sentido. O sentido da vida é aquela linha que une o ser ao querer-ser. Tudo que nos encaminha na direção e no sentido do nosso projeto de vida, do nosso querer-ser racionalizado, agrega valor à nossa existência. Por outro lado, tudo que nos detém, nos desvia ou nos faz retroagir é visto e sentido como uma agressão ao nosso ser” – conforme frisou muito bem Antônio Carlos Gomes da Costa, em artigo publicado no livro Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática (2000).

Se fizer as pazes com a pedagogia bossa nova, o Brasil consegue ser outra vez “gigante pela própria natureza”. Para lidar com novas tecnologias para a produção ética e responsável de riquezas, precisa-se de uma formação excepcional, o que pressupõe ter autoconfiança, adaptar-se em diferentes contextos, construir relacionamentos dinâmicos, utilizar bem a criatividade e empreender com inovação. Isso requer compreensão de nossas forças e fraquezas, emocionais e intelectuais, de nossos direitos e deveres na vida em comunidade e máximo desenvolvimento de nossas potencialidades. Precisamos, enfim, ser autônomos e solidários, compreendendo nossos avanços culturais e, ao mesmo tempo, não só tolerando, mas valorizando diferenças.

Marcos Fabrício Lopes da Silva / Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG