Uma história do campus

Financiamento da pesquisa e o papel da Fapemig

A recente inauguração do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno (CTNano), no BH-Tec, ensejou reflexões que compartilho neste texto. A linha do tempo desse empreendimento mostra, como marco inicial, o pós-doutorado do professor Marcos Pimenta no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 1998, quando surgiam no mundo os primeiros estudos com nanotubos de carbono e com grafeno. À época, essas estruturas eram curiosidades científicas porque, embora dotadas de características bastante peculiares, ninguém poderia assegurar sua utilidade. Com seu retorno, Marcos Pimenta encontrou um ambiente favorável ao desenvolvimento de pesquisa nessa área emergente. Passados cerca de 20 anos, já estão demonstradas aplicações inovadoras desses materiais para a construção civil, e podemos vislumbrar inúmeras novas aplicações em materiais plásticos. Esses são os carros-chefes do CTNano, que colocam Minas Gerais na fronteira desse novo negócio.

Por ser um empreendimento bem-sucedido, e ainda com enorme potencial de crescimento, é bom analisarmos suas características. Do investimento total feito, cerca de 52% vieram de empresas, com destaque para a Petrobras e a InterCement; 45% vieram do setor público federal, com destaque para a Finep e o BNDES; 3%, do setor público estadual, com destaque para a Fapemig. Neste momento, o caro leitor pode pensar: apenas 3%? Ao analisarmos melhor, vemos que boa parte do investimento da Fapemig, ainda que percentualmente pequeno, foi feita em momentos cruciais, quando ainda não havia clareza quanto à aplicabilidade dos conhecimentos em nanotecnologia. Não fosse a Fapemig, esses estudos não teriam ocorrido. Só a partir do momento em que essas aplicações foram comprovadas é que elas começaram a atrair o interesse da iniciativa privada. 

Do ponto de vista econômico, os estudos iniciais constituíam investimento de alto risco, no qual nenhuma empresa teria interesse em participar. A demonstração de possíveis aplicações inovadoras atraiu esse interesse e, junto com ele, o apoio do BNDES. Os recursos da Fapemig, aplicados na hora certa, foram a semente que alavancou o grande investimento que se seguiu (no qual a Fapemig continua contribuindo, embora em menor proporção). Esse padrão de investimento, desde a pesquisa básica até o desenvolvimento de produtos inovadores, é o que ocorre normalmente nos países desenvolvidos.

Podemos tirar algumas lições dessa história: se não houvesse o investimento de alto risco feito inicialmente em tal “curiosidade científica”, não haveria o CTNano; se a Fapemig se restringisse a financiar projetos com evidente aplicabilidade, não teríamos esses novos produtos; quando as possíveis aplicações se tornam demonstradas, isso atrai as empresas e o apoio da Fapemig passa a ser complementar. Esse é o papel singular de agências como a Fapemig.

As nações desenvolvidas consideram despesas em Ciência e Tecnologia como investimento, e algumas conseguiram mudar o seu perfil econômico exatamente como consequência disso, mesmo em ambientes de crise. Os cortes que estão sendo feitos em nome de ajustes (ainda que necessários) podem estar comprometendo, hoje, o futuro do nosso país.

Outra reflexão diz respeito ao tempo de amadurecimento de uma tecnologia. Nesse caso, foram 20 anos, o que mostra a insensatez das expectativas de que todos os projetos devem ter aplicação imediata. Se houvesse essa exigência há 20 anos, não teríamos o CTNano (nem saberíamos o que estávamos perdendo). O caro leitor pode se perguntar: sempre temos, então, que esperar tanto tempo? Na realidade, pesquisas têm diferentes tempos de maturação, e existem projetos em andamento que tiveram financiamentos iniciados há anos. Eles poderão gerar, em curto ou médio prazos, os próximos “CTNanos”.

Porém, nem todos serão bem-sucedidos, por diversas razões. Alguns projetos podem “não dar certo” porque seus resultados terão pouca aplicabilidade ou pouco interesse econômico – quando se trabalha na fronteira do conhecimento, não se pode ter certeza dos resultados. Por outro lado, os resultados podem ser aplicáveis, mas pode não haver interesse da nossa indústria – se não houvesse interesse da Petrobras e da InterCement, o empreendimento CTNano não existiria.

Infelizmente, essa é uma realidade mais frequente do que gostaríamos. Como exemplo, a Fapemig é cotitular de mais de 500 depósitos de patentes (inclusive, de 80 internacionais) que ainda estão à disposição da indústria esperando o desenvolvimento de novos produtos. Finalmente, outro grande risco de insucesso é a descontinuidade do investimento, que teria sido fatal para o empreendimento CTNano. Com a interrupção da pesquisa e/ ou a desagregação do grupo de pesquisa, os novos produtos poderiam estar sendo produzidos em outra parte do mundo (e nós, importando-os).

Encerro com uma pergunta: quantos empreendimentos como o CTNano devem estar sendo gestados e podem morrer por falta de financiamento? Quantos produtos (ou processos) importantes para a nossa sociedade poderemos deixar de gerar se interrompermos nossas pesquisas? As nações desenvolvidas consideram despesas em Ciência e Tecnologia como investimento, e algumas conseguiram mudar o seu perfil econômico exatamente como consequência disso, mesmo em ambientes de crise. Os cortes que estão sendo feitos em nome de ajustes (ainda que necessários) podem estar comprometendo, hoje, o futuro do nosso país.

Paulo Sérgio Lacerda Beirão - Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig