Uma história do campus

Na rota do tucanuçu

Movimentação da ave é usada por pesquisadores da UFMG como referência para identificação de corredores ecológicos, visando fomentar políticas de planejamento urbano

A existência de áreas verdes organizadas em meio à malha urbana é importante para formar corredores que conectam os ambientes, promovendo, assim, a circulação de animais e a dispersão de frutos e sementes. Em Belo Horizonte, a Mata do Isidoro, a Mata do Planalto e a Área de Proteção Ambiental (APA) Fazenda Capitão Eduardo compõem corredores ecológicos essenciais para o deslocamento da ave tucanuçu (tucano grande), um dos principais vetores de disseminação de sementes na região Norte da cidade.

As implicações desse fato são abordadas na pesquisa interdisciplinar da qual participou a bióloga Marise Barreiros Horta, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, da UFMG. A investigação resultou no artigo Functional connectivity in urban landscapes promoted by Ramphastos toco (Toco Toucan) and its implications for policy making, publicado na revista Urban Ecosystems, dedicada a investigações sobre aspectos socioeconômicos e ecológicos em ambientes urbanos. 

Como explica Marise Horta, a conectividade “é um conceito vital na ecologia”, fundamental para a sobrevivência das florestas. “Nas cidades, as áreas verdes funcionam como repositórios de biodiversidade. Esses habitats precisam estar ligados de alguma forma. Sem trocas genéticas, uma área natural isolada tende a se deteriorar”, argumenta. Para traçar um roteiro da conectividade ecológica na cidade, os autores recorreram a dados secundários obtidos em levantamentos nos quais houve rastreamento por GPS do voo do tucanuçu. 

 “Em Belo Horizonte, as reservas naturais estão sendo reduzidas gradualmente, sem que sejam criadas novas unidades de conservação. Além da manutenção dessas áreas, devem ser adotadas estratégias de incremento da conectividade da paisagem”

Os locais indicados como itinerários da ave, de acordo com ­Marise Horta, encontram-se ameaçados pelos interesses de expansão urbana da região Norte. “Em Belo Horizonte, as reservas naturais estão sendo reduzidas gradualmente, sem que sejam criadas novas unidades de conservação. Além da manutenção dessas áreas, devem ser adotadas estratégias de incremento da conectividade da paisagem”, completa.

Perspectiva do tucanuçu pode orientar viabilidade ecológica da construção de um bairro novo
Perspectiva do tucanuçu pode orientar viabilidade ecológica da construção de um bairro novo Chris Parfitt | Creative Commons

Tecnologia

A pesquisa teve como foco as rotas mais vantajosas, as preferidas ou mais prováveis do tucanuçu, para locomoção a partir do Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado em direção às áreas de vegetação mais expressivas da região Norte. A escolha da ave foi devida à sua efetividade na dispersão de sementes e à amplitude de seu deslocamento, que chega a três quilômetros ininterruptamente. “O tucanuçu voa, até mesmo, por cima de prédios altíssimos. A perspectiva da ave pode orientar a viabilidade ecológica da construção de um bairro novo, por exemplo. Isso representa um grande avanço tecnológico e possibilita a inserção de informações ecológicas no planejamento urbano”, observa Marise Horta.

Conforme apurado, a rota em direção à Mata do Isidoro é normalmente priorizada pelo tucanuçu, que inclui em seu percurso a Mata do Planalto. As manchas florestais de maior importância para a conectividade geral da paisagem abrangem a Mata do Isidoro e da APA Fazenda Capitão Eduardo. Essas áreas, como informa a bióloga, têm gerado controvérsias entre ambientalistas e empreendedores imobiliários. 

“A APA Fazenda Capitão Eduardo foi criada em 2001 e em 2015 foi alvo de um projeto de lei que visava transformar o local em um empreendimento habitacional do Governo Federal. Hoje, a Mata do Planalto se encontra em situação semelhante, com possibilidades de ser transformada em um condomínio residencial com vários prédios. Já a Mata do Isidoro está incluída em um projeto que visa convertê-la em área residencial para 300 mil habitantes, estruturada com edifícios, centros de compras, hipermercado, escolas, postos de saúde e outros equipamentos urbanos”, exemplifica a pesquisadora.

De acordo com Marise Horta, as informações sobre os potenciais impactos da urbanização obtidas como resultados do estudo deveriam ser levadas em conta na formulação de políticas de planejamento urbano. “Não adianta conservar uma área isoladamente, é crucial atentar-se também para as vizinhas, ainda que sejam pequenas. A proteção dos locais de relevância ecológica e da biodiversidade, por meio da priorização da conectividade, é essencial para os ecossistemas e para a qualidade de vida da população. Nosso trabalho é um dos pioneiros sobre ecologia urbana e sua aplicabilidade no Brasil”, garante Marise Horta.

Artigo: Functional connectivity in urban landscapes promoted by Ramphastos toco (Toco Toucan) and its implications for policy making
Autores: Marise Barreiros Horta, Pedro Fialho Cordeiro, Sônia Maria Carvalho-Ribeiro, Geraldo Wilson Fernandes e Fernando Figueiredo Goulart, todos da UFMG, e Tulaci Bhakti, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)

Matheus Espíndola