Profilaxia contra uma tragédia silenciosa
UFMG participa de primeiro estudo longitudinal no Brasil com foco nas populações afetadas por desastres causados por mineradoras
A Faculdade de Medicina vai participar de estudo que pode evitar que a população de Brumadinho passe por nova tragédia. Trata-se, porém, de uma tragédia silenciosa, ainda que decorrente do rompimento da barragem da Vale, em 25 de janeiro deste ano, que pode ter consequências visíveis somente em médio e longo prazos.
Maila de Castro e Frederico Garcia, professores do Departamento de Saúde Mental, integram grupo que acompanhará a população do município durante duas décadas para identificar mudanças no comportamento e na saúde mental. Esse é um dos módulos da pesquisa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – com colaboração da UFMG –, que busca identificar alterações em diversos aspectos da saúde da população para a tomada de decisões que possam controlar e até mesmo antecipar problemas futuros.
“No caso da saúde mental, vamos avaliar os transtornos relacionados ao estresse pós-traumático”, antecipa a professora Maila de Castro. O rompimento da barragem provocou a morte de 248 pessoas e 22 seguem desaparecidas. Além das perdas humanas, o tsunami de rejeitos atingiu vilarejos do município e o leito do Rio Paraopeba, provocando também danos ambientais.
Embora as catástrofes tenham suas particularidades, a experiência com a população de Bento Rodrigues, em Mariana, possibilita levantar algumas hipóteses do que se espera encontrar em Brumadinho. Uma delas é a prevalência de comportamento suicida e a desesperança no futuro.
De acordo com a professora, a soma dessas perdas pode causar cicatrizes em longo prazo, que são fatores de risco para transtornos psiquiátricos, como a depressão. “São muitas situações de luto. Houve pessoas que perderam suas casas, entes queridos, que perderam seus pais. As crianças, por exemplo, podem sofrer com isso ao longo da vida”, comenta Maila, que coordenou, junto com o professor Frederico Garcia, uma pesquisa sobre a saúde mental das famílias atingidas pela barragem de Fundão, em Mariana.
Embora as catástrofes tenham suas particularidades, a experiência com a população de Bento Rodrigues, em Mariana, possibilita levantar algumas hipóteses do que se espera encontrar em Brumadinho. Uma delas é a prevalência de comportamento suicida e a desesperança no futuro. “Mesmo sem depressão, fica o sentimento de falta de esperança na resolução dos problemas e na penalização dos responsáveis. Isso também afeta a qualidade de vida da pessoa”, completa Maila. Outra preocupação é com a toxidade da lama, que carrega metais pesados e pode provocar intoxicações agudas, com possíveis danos também à saúde mental.
De casa em casa
Os dados para o estudo serão coletados por meio de entrevistas e exames clínicos anuais nos domicílios de quatro mil adolescentes e adultos com idade a partir dos 12 anos, tanto das áreas atingidas diretamente pela lama quanto de outras partes do município. Os pesquisadores entendem que toda a população foi atingida de alguma forma, e não somente quem perdeu familiares ou bem materiais.
Dados de uma amostra menor, formada por crianças de 0 a 4 anos de regiões diretamente afetadas, também serão coletados para acompanhar o desenvolvimento neuromotor e neurológico. Todas essas informações possibilitarão indicar aos serviços de saúde as principais demandas da população.
“No Brasil, não temos evidências dos efeitos de um desastre desse tamanho, como foi em Brumadinho, em longo prazo. Temos estudos pontuais de enchentes, seca no Nordeste e ações imediatas ao rompimento em relação a resgates e emergência. A ideia é continuar o trabalho”, esclarece o coordenador do estudo longitudinal, Sérgio Viana Peixoto, pesquisador da Fiocruz e professor da Escola de Enfermagem da UFMG.
De acordo com o professor, é possível que o perfil de doenças na população se modifique, com aumento de queixas de doenças respiratórias e cardiovasculares. Estudos feitos em outros países mostram que, 15 anos depois de algum grande desastre, como terremotos, o comportamento da população se modificou, com aumento de transtornos mentais e do consumo de álcool, cigarro e outras drogas.
O estudo longitudinal foi solicitado à Fiocruz pelo próprio Ministério da Saúde e abrange outras áreas: análise de dados; toxicologia, que envolve metais pesados; saúde ambiental e desastre; alimentação e nutrição; acesso e qualidade da água. O professor Pedro Vidigal, do Departamento de Propedêutica Complementar da Faculdade de Medicina, será responsável pela mostra biológica coletada. “Faremos laboratoriais de sangue e urina para avaliação da saúde da população e coletaremos amostras para armazenamento, considerando a possível necessidade de novos exames ou estudos futuros”, explica o professor.
A pesquisa também conta com a colaboração de equipe multiprofissional formada por outros pesquisadores da UFMG, como a professora da Escola de Enfermagem Aline Cristine Souza Lopes, e de outras instituições de ensino internacionais e nacionais, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A partir de 8 de setembro, estudantes da Liga de Saúde Mental da Faculdade de Medicina promoverão, em Brumadinho, encontros quinzenais para discutir saúde mental e estresse pós-traumático com os moradores da cidade.