Sentidos do presente
Verbetes reunidos em “indicionário” da Editora UFMG ajudam a pensar questões contemporâneas nos campos da literatura e das artes
Conforme preconizam os dicionários de semiótica, um índice é um signo que se caracteriza por uma relação de “contiguidade natural”: fala-se de índices quando o que desperta a atenção dá a conhecer outra coisa com a qual mantém uma relação indicativa – o latido de um cão, por exemplo, indica a presença ou a existência do animal.
Recentemente, a Editora UFMG lançou um livro que reúne um conjunto de ensaios – ou, nas palavras dos organizadores, um conjunto de “verbetes indiciais” – sobre o contemporâneo: organizada como um glossário robusto, a obra traz “conceitos que incidem de modo decisivo sobre o pensamento das artes e literatura atuais” e formam o imaginário público contemporâneo relativo aos seus campos.
Indicionário do contemporâneo é resultado da empreitada de 14 pesquisadores brasileiros e estrangeiros que se propuseram a escrever e editar um livro inteiro em colaboração: todos os seis verbetes reunidos na obra – “arquivo”, “comunidade”, “endereçamento”, “o contemporâneo”, “pós-autonomia” e “práticas inespecíficas” – foram produzidos coletivamente, em um processo que durou quatro anos. “Este Indicionário supõe, antes que nada, insubordinação, insatisfação, inquietação, independência... Mas supõe, sobretudo, um infinito e infinitivo desejo de ler, falar, ver, fazer e viver junto, de parte de um in-certo grupo: um desejo de convívio e de comunidade enquanto amizade, conversa e conflito em distintas paisagens americanas”, escrevem os organizadores.
Verbetes indiciais
Em razão de seu discurso direto e didático, os verbetes funcionam como introduções fundamentadas e não extensivas aos conceitos de que tratam, tendo por recorte a sua relação com os campos da literatura, das artes e da estética. A própria ideia substantiva de “contemporâneo” – “uma dobra reflexiva sobre o presente, um modo crítico de lidar com o nosso tempo” – é um dos verbetes trazidos pelo volume: nele, faz-se uma reflexão sobre as “práticas e noções artísticas e críticas marcadas pela heterogeneidade, expansividade, inespecificidade” próprias do nosso tempo.
Em relação ao conceito de “comunidade”, os autores partem dos “problemas causados pelos nacionalismos do século XX” para estimular reflexão sobre as formas de sociabilidade próprias do contemporâneo que problematizam as “noções de sujeito e indivíduo, nação e povo” e têm-se estabelecido “de modo coletivo, horizontal, sem passar pelas instituições tradicionais (partidos, sindicatos etc.)”, “sem planos programáticos”. Já a noção de “arquivo” é caracterizada face ao diálogo que se estabelece entre a ideia de público e privado, num jogo que “se situa entre a ‘casa’ e o ‘museu’, entre o nome íntimo e o nome público”, um jogo que “não se define tanto por aquilo que guarda, mas pela relação que um sujeito mantém com esses objetos, imagens, palavras”.
Ao tratarem do conceito de “endereçamento”, os autores o abordam relativamente aos campos da poesia, da arte, da política e da filosofia, tomando-o como chave para pensar, entre outras coisas, a “questão do relacional e do comunitário” e os “modos de viver juntos” nos dias de hoje. Em “práticas inespecíficas”, abordam a instabilidade crescente vivida pelas práticas estéticas latino-americanas contemporâneas, contexto em que as fronteiras entre as diferentes disciplinas artísticas parecem se dissipar.
Pós-autonomia é uma noção difusa e experimental que diz respeito ao regime de leitura instaurado na contemporaneidade e a um conjunto de narrativas típicas do nosso tempo. Elas transitam entre diferentes gêneros e se posicionam tanto dentro quanto fora do que tradicionalmente se considera literatura e ficção.
Indicionário do contemporâneo ainda traz um posfácio de Raúl Antelo, professor de literatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sobre o “espaçotempo”, conceito definido pelo filósofo Robert DiSalle como “contínuo tetradimensional que combina as três dimensões do espaço com o tempo para representar geometricamente o movimento”. Em seu texto, Antelo discute a teoria da autonomia no campo da estética e retoma a definição de DiSalle para pensar a arte e a literatura à luz desse conceito.
Livro: Indicionário do contemporâneo
Organização: Celia Pedrosa, Diana Klinger, Jorge Wolff e Mario Cámara
Edição: Editora UFMG
263 páginas / R$ 47