UFMG Jovem, 20 anos

O que é bom nasce feito*

Em novembro de 1927, quando da criação da UMG, o reitor Mendes Pimentel expôs seu entendimento sobre a divisa que integrava o brasão da nova universidade – incipt vita nova (infunde vida nova) – , símbolo de constante transformação aperfeiçoadora. Nesse lema, enfatiza ele, resume-se perpétua inquietude do homem de ciência – cada uma de suas conquistas deve se tornar, no perpétuo devenir humano, ponto de partida para novas aspirações e realizações. Eu penso que o brasão com esse lema deveria constar de todos os documentos oficiais e de divulgação da UFMG.

O nosso país vive momentos difíceis, e, em nosso dia a dia, estão presentes ameaças ao futuro da nação, especialmente nas áreas de educação, ciência e meio ambiente, entre outras igualmente importantes.

 Mendes Pimentel, coerente com a posição assumida ao se tornar signatário do Manifesto dos Mineiros contra o regime ditatorial de Getúlio Vargas, recusou, mais tarde, convite para atuar como interventor em Minas Gerais. Sobre a autonomia universitária, disse ele: a Lei Orgânica atribui à Universidade “personalidade jurídica e assegura plena autonomia administrativa e didática [...] não podendo ser cúmplice passiva de tiranias”. Verificamos que o código da UFMG, constituído pelos princípios de vida nova, autonomia, democracia e dignidade, está presente até hoje. Como já foi dito: “O que é bom nasce feito.”

Um comentário importante: ingressei na UFMG em 1962, como aluno, e, em 1966, como professor auxiliar de ensino. Presenciei a atuação de todos os reitores desde essa época e colaborei com alguns. Tenho um grande respeito e admiração por todos eles, que muito fizeram pela Universidade. 

Os ex-reitores da Universidade Federal de Minas Gerais manifestaram sua indignação perante os ataques de diferentes naturezas de que são alvo as universidades públicas federais brasileiras, entre elas, a própria UFMG. 

O nosso país vive momentos difíceis, e, em nosso dia a dia, estão presentes ameaças ao futuro da nação, especialmente nas áreas de educação, ciência e meio ambiente, entre outras igualmente importantes. Além do patrimônio educacional que vem sendo desrespeitado e maculado, o patrimônio associado ao meio ambiente tem sido destruído, e a vida no planeta está ameaçada. A seguir, descrevo, numa perspectiva científica, baseada nas leis da termodinâmica, o que está ocorrendo na Amazônia.

Existe uma grande relação ou conexão das leis da termodinâmica com os processos ambientais. Em primeiro lugar, é importante informar que as leis da termodinâmica são leis da natureza, ou seja, a natureza se comporta de acordo com essas leis, que foram descobertas e enunciadas pela ciência.

A primeira lei da termodinâmica afirma que “matéria e energia não podem ser criadas ou destruídas, somente transformadas”. Esse enunciado significa que, na natureza, a matéria sofre transformações, mas não pode desaparecer. A energia também se transforma, mas não desaparece. A segunda lei da termodinâmica afirma que “a entropia do universo cresce na direção de um máximo”. Entropia é a quantidade de energia que não é mais capaz de realizar trabalho em um sistema. Dessa forma, a natureza está num processo permanente de desordem.

Portanto, pode-se afirmar que “a morte resulta da vitória da entropia”. A vida, ao contrário, busca permanentemente reciclar a matéria e, assim, valorizar a energia que ainda é capaz de realizar trabalho. Dessa forma, a vida é um eterno desafio à entropia, pois busca a estabilidade no seu processo de evolução. As queimadas que ocorrem na Amazônia não destroem a energia, mas levam ao equilíbrio e à morte.

A diferença entre o desenvolvimento gerado a partir da Revolução Industrial e o desenvolvimento sustentável pode ser entendida com base nas leis da termodinâmica. O primeiro considera prioritariamente (ou apenas) a primeira lei da termodinâmica, ou seja, a transformação de energia. O segundo incorpora a segunda lei da termodinâmica, reconhecendo que a primeira lei pode ser usada, mas propõe que o equilíbrio não seja atingido, que se reserve um pouco de desequilíbrio para realização de outros trabalhos necessários no futuro. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.

No caso das florestas, os dois tipos de desenvolvimento podem ser exemplificados da seguinte forma: o primeiro leva à destruição das árvores para a produção de madeira, promove queimadas do terreno para a criação de gado ou plantação de soja. O retorno financeiro é grande, e a floresta desaparece. Compensa? O segundo extrai o látex das árvores para gerar a borracha e outros produtos. O retorno financeiro pode ser menor, mas a floresta e a população local são preservadas.

Falta um pouco desse conhecimento a alguns “ecólogos” e, principalmente, o que é mais trágico, aos governantes e políticos. Além disso, trata-se de uma importante questão educacional com impacto na vida no planeta. Precisamos cuidar da educação das crianças com relação a esse assunto, além de outros, pois o planeta será herdado por elas. Portanto, o meio ambiente deve constar permanentemente da agenda de todos os setores de educação do país.

Reafirmo que as leis da termodinâmica não podem ser revogadas nem corrompidas. São eternas e regulam os processos envolvendo calor e trabalho no universo.

Estamos vivendo um momento desafiador no ambiente universitário, cujas consequências, sob a forma de corte de verbas para o ensino e a pesquisa, comprometerão projetos importantes para o desenvolvimento nacional. A educação ocupa papel de destaque, e a universidade brasileira, um dos maiores patrimônios nacionais, um patrimônio de conhecimento, construído em pelo menos dois séculos de ensino e pesquisa, deve ser defendida.

“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”

Diante desse quadro de ameaças, lembro uma frase de Martin Luther King: “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.

Concluindo: não se compra dignidade, não se vende dignidade, pois, de acordo com Kant, “dignidade é o valor de que se  reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que é passível de ser substituído por um equivalente”. A UFMG é digna. Nunca esteve calada! E nunca estará.

*Versão resumida de discurso proferido durante a entrega da Medalha Mendes Pimentel, em 9/9/2019

Francisco César de Sá Barreto / Reitor da UFMG na gestão 1998-2002