Haja coração!

Qual é o nosso limite?

Quero convidar os colegas a uma reflexão sobre limite. Qual será nosso Rubicão?

A derrocada de nossa seara – a universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada – começou, ainda em 2018, com um rumor interessante: o ministro da Educação do novo governo seria um ex-reitor de reconhecida competência e aberto ao diálogo. Durou um dia no cargo. Foi bombardeado por setores evangélicos que apoiam os eleitos. E daí para frente, só ladeira abaixo. O ministro da Educação nomeado não vingou. Foi mastigado e cuspido por uma deputada recém-eleita e, pasmem, de centro-direita. O atual é mais dinâmico, colega da Unifesp que não demorou a cortar o orçamento das universidades federais batizando a operação com a expressão eufemística “contingenciamento”. 

De início, o corte seletivo atingiu três universidades que ousaram receber em evento o candidato adversário do atual presidente nas eleições de 2018. Com a grita geral, o novo ministro não titubeou, cortou linearmente o orçamento de todas as universidades. Utilizando a necessidade de contingenciamento como argumento, participou de uma live presidencial com chocolatinhos, na qual nem a matemática o salvou. Qual foi nossa atitude? 

Logo depois, o CNPq entra no radar. Em abril, o presidente da agência já avisara que não teria como pagar as bolsas do mês de setembro. Os editais de projetos haviam sido limados, e o déficit de R$ 320 milhões para bolsas já nos rondava. E o que fizemos? Agora, notícias dão conta de corte de 87% do orçamento para fomento da agência. Por outro lado, acenam-nos com aumento da rubrica para bolsas. Vamos aceitar promessas sem a recomposição do fomento? 

Nesse período, a Reitoria da UFMG realizou novo malabarismo, e o pessoal da limpeza do prédio do ICB teve, mais uma vez, seu efetivo reduzido. Alguém já parou para pensar na quantidade de salas, banheiros e corredores que o pessoal da limpeza precisa percorrer atualmente no ICB? São 49 mil metros quadrados de área construída. É desumano! Sabe-se lá como ficará a saúde dessas mulheres e homens... 

É importante destacar que, na UFMG, o corte promovido foi da ordem de 30% do orçamento previsto. Mais interessante ainda divulgar que, em 2017 e 2018, a UFMG teve dívida zero. E, segundo a revista britânica Times Higher Education, em edição mais recente, somos a melhor universidade federal do país.

Em julho, quando parte da comunidade acadêmica encontrava-se em férias, eis que o ministro solta mais uma novidade: o programa Future-se. Trata-se de uma minuta de projeto de lei que foi apresentada à imprensa como a salvação das “caras e ineficientes” universidades federais. No dia seguinte, os reitores dessas mesmas universidades tomaram ciência do projeto. Cheio de intenções, o Future-se seria a panaceia das universidades. Com a “direção” de Organizações Sociais (OS), as empresas poderiam despejar dinheiro nos projetos de pesquisas da universidade. Um “fundo de investimento” garantiria a pesquisa básica, aquela cuja aplicação imediata os burocratas não enxergam, e pega mal cortar de um lance único. 

 Até quando seguiremos sustentando os pilares da universidade, a despeito de sucessivos e profundos cortes?

Vejam bem: um fundo gerido por um banco, que vive de adesões e lucros, vai bancar pesquisa nas universidades federais. Ou nos acham parvos ou têm certeza! E as Ifes precisavam manifestar interesse em aderir ou não ao programa até o meio do mês de agosto – essa data foi ampliada posteriormente. Aos incautos foi feita a promessa de que o programa seguiria ao Congresso como projeto de lei. Afinal, a proposta poderia “ser melhorada”. Eis que, surpreendentemente, o ministro muda de ideia e diz que o Future-se pode ser enviado como Medida Provisória, que tem efeito imediato. Felizmente, a UFMG, depois de fazer um elegante trabalho de estudo e diálogo com a comunidade acadêmica, já explicitou sua rejeição ao Future-se: o que é novo, não é bom – pôr em xeque a autonomia universitária. O que é bom, não é novo – a UFMG já mantém parcerias com a iniciativa privada em áreas em que isso é pertinente.

E chegamos à última novidade. Última, bem entendido, enquanto escrevo este texto. A Capes também sofrerá cortes em seu orçamento. A agência, segundo proposta orçamentária que será analisada pelo Congresso, perderá 50% de sua dotação financeira, incluída a educação básica.

Efeito imediato dessa iniciativa foi anunciado em comunicado da própria Capes: o corte de vários programas de bolsas, como DS, Proex, Prodoutoral e PNPD, entre outros. Foi anunciado o corte de 11.811 bolsas. Dias depois, acenaram com a restituição de 3.182 delas. Mas só para cursos com avaliação 5, 6 e 7. Isso implica prejuízo aos cursos novos e, majoritariamente, fora do eixo Sul-Sudeste, o que significa nova concentração de pesquisadores nessas regiões. Enfim, o financiamento para as universidades já não é suficiente, as verbas para projetos inexistem – nem mencionei a Fapemig –, e agora os discentes não terão como honrar seus boletos. Será que existe neste governo alguém que tenha lembrado aos gestores que nossa pesquisa é feita pela pós-graduação? 

E volto à pergunta do título: qual o limite de nossa indignação? Até quando seguiremos sustentando os pilares da universidade, a despeito de sucessivos e profundos cortes? Estaríamos dando a entender que não precisamos de recursos públicos, pois tudo “funciona” mesmo com reduzido aporte financeiro? Será que atingimos o que se chama na aviação de PNR (point of no return) para educação e ciência? Você concorda? E vai fazer o quê?

Helton J. Reis / Professor do Departamento de Farmacologia do ICB