A praça por ela mesma

A formação de leitores-consumidores críticos

Mercadorias e marcas cumprem diversas funções: construção de identidades, satisfação de necessidades e desejos, intermediação das relações sociais. A lógica do consumo influencia os vínculos interpessoais e institucionais e tem seus valores e referências de comportamento disseminados e naturalizados pela mídia.

Frente à exposição constante a essas mensagens, é importante reconhecer nossa fragilidade como consumidores, principalmente no caso de crianças e jovens, que costumam ser mais suscetíveis aos apelos das campanhas publicitárias. As compras por impulso e sem ponderação têm gerado impactos negativos, como o endividamento das famílias, além de comportamentos pouco sustentáveis na perspectiva ambiental. Na busca de maior equilíbrio nas relações entre empresas e sociedade, deve-se repensar o papel da escola, reconhecendo sua importância como agência de socialização e de conscientização. O que tem sido feito para formar consumidores conscientes?

À procura de respostas para essa questão, uma pesquisa foi feita na FaE/UFMG com enfoque no desenvolvimento do letramento em marketing dos alunos. Seu objetivo era verificar o que tem sido feito para capacitá-los a lidar criticamente com as mensagens de estímulo ao consumo e a refletir sobre aspectos mais amplos, como consumismo, desperdício e sustentabilidade. Essa pesquisa, em curso desde 2006, investigou livros didáticos, Parâmetros Curriculares Nacionais, atividades e avaliações disponibilizadas online no Portal do Professor/MEC, além de questionários e entrevistas com docentes da rede municipal de Belo Horizonte. Contrariando as hipóteses iniciais, foram encontradas diversas propostas de trabalho direcionadas à formação de consumidores críticos. No entanto, sérias lacunas também foram identificadas de modo reincidente nos últimos 10 anos.

Em primeiro lugar, quanto aos textos selecionados pelos professores para o trabalho com os alunos, há um preocupante descompasso entre o que se usa em sala de aula (ou é proposto em diretrizes e materiais didáticos) e as atuais ações de marketing. As empresas têm-se valido das mais diversas formas de divulgação de seus produtos, ocupando o espaço público e privado, por meio não somente dos espaços publicitários tradicionais nos veículos de comunicação de massa. Os estímulos estão em vitrines e prateleiras dos supermercados, em blogs e nas redes sociais, em e-mails, em textos de caráter informativo, nos merchandisings em filmes, novelas e programas de televisão, em eventos nas praças e em patrocínios esportivos e culturais. Os apelos ao consumo estão imbricados no jornalismo, no entretenimento, na produção artística e em muitas outras áreas e situações cotidianas.

No entanto, as iniciativas escolares frequentemente se baseiam em peças impressas como anúncios de jornal e revista, outdoors, panfletos e embalagens. A diversidade das atuais ações estratégicas não é considerada, assim como são ignoradas mensagens de forte impacto perante os jovens, como os comerciais de TV.

Em segundo lugar, é importante também problematizar a profundidade das análises propostas nas atividades escolares que utilizam os materiais publicitários. Mesmo quando os textos selecionados mostram-se atuais e estão fortemente conectados com as referências dos alunos, é muito comum a ênfase nos aspectos verbais, sob uma perspectiva normativa, gramatical. Assim, não são propostas reflexões sobre os processos discursivos das mensagens (quais são os objetivos daquele texto, como se caracterizam os apelos persuasivos, quem é o público-alvo) ou considerações acerca das múltiplas semioses ali presentes (cores, fotografias, tipos de letra ou, no caso das mensagens audiovisuais, trilhas sonoras, narrativas). 

Por trás desse panorama, estão também as sérias limitações infraestruturais, que dificultam, por exemplo, o tratamento de peças televisivas e o acesso à internet em sala de aula, além da caracterização da formação docente em Língua Portuguesa, que tende a dar pouca ênfase à multimodalidade, ou seja, às diversas linguagens constituintes dos textos. Além disso, as temáticas relativas ao consumo não se mostram devida e sistematicamente incorporadas aos currículos, projetos pedagógicos e processos avaliativos das nossas escolas, apesar de contempladas nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Estar preparado para reconhecer a diversidade de apelos e abordagens adotadas pelas ações de marketing e para ler criticamente essas ações tem-se mostrado fundamental. A educação, na condição de via de emancipação, precisa contribuir para a autonomia dos indivíduos, transformando-os em cidadãos ativos, alertas, críticos e motivados para analisar e questionar a realidade da qual participam. 

As práticas de consumo têm ganhado importância como aspiração, refúgio e lazer. Os apelos que sustentam e legitimam a lógica mercantil se embrenharam nas mídias e no cotidiano, e são comuns distúrbios, excessos e frustrações nas relações de compra. Esse quadro demanda das instituições de ensino a incorporação e a disseminação de reflexões críticas acerca das problemáticas e contradições subjacentes às mercadorias e aos discursos de marketing.

*Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Fafich, mestre e doutor em Educação e Linguagem pela FaE e pós-doutorando em Linguística Aplicada: Linguagem e Tecnologia pela Faculdade de Letras 

Jônio Machado Bethônico *