Boletim

Nº 1937 - Ano 42 - 18.04.2016

A praça por ela mesma

Voz monumental

Em livro que concilia recursos literários e análise urbanística, professor da Escola de Arquitetura transforma a Praça da Estação em narradora pr

O professor Flávio Lemos Carsalade, do Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura, acaba de lançar Estação em movimento: a história da Praça da Estação em Belo Horizonte, livro editado e publicado pelo Instituto João Ayres. O volume foi concebido sob dupla perspectiva intelectual – literária e arquitetônica-urbanística.

De um lado, Carsalade – arquiteto e urbanista, mestre em arquitetura e doutor em patrimônio cultural – vale-se de sua formação acadêmica para subsidiar cientificamente a narrativa. De outro, o autor mobiliza a sua verve literária para dar voz aos próprios edifícios, viadutos, monumentos e esculturas que compõem o conjunto arquitetônico da Praça da Estação, permitindo que eles mesmos narrem as suas histórias.

A estátua Verão, por exemplo, que hoje está localizada nos jardins do Palácio da Liberdade, em certo momento comenta: “Hoje, sinto saudades do tempo em que habitava a Estação.” Ao que responde a estátua Inverno, relegada ao interior do Museu de Artes e Ofícios: “Melhor sua sina que a minha. Daqui onde estou vejo muita gente, mas não estou ao ar livre, no meio da praça, solto às viragens do tempo, como é de meu gosto.”

Ao situar o livro nesse duplo lugar, científico e literário, Carsalade faz do volume uma ficção, de interesse amplo, mas também uma obra de referência, fonte de consulta para pesquisadores de áreas como arquitetura, urbanismo, geografia e história. Com o recurso, o autor narra, de forma subjetiva, as consequências do desenvolvimento positivista vivido pela cidade desde a sua fundação, em dezembro de 1897.

Praça da Estação: “livro aberto” para compreender a história de Belo Horizonte
Praça da Estação: “livro aberto” para compreender a história de Belo Horizonte Roberto Staino

Não é a primeira vez que Flávio Carsalade se propõe a usar a ficção como suporte para a teoria. Ele é autor do volume Pampulha, da coleção BH. A cidade de cada um, série sobre bairros e outros marcos identitários da capital mineira. O livro foi lançado em 2007. Nele, é a própria cidade de Belo Horizonte, em primeira pessoa, que conta a história da Pampulha.

A Praça é a melhor síntese do que seja um espaço público urbano

No posfácio da nova obra, com formato paisagem e fartamente ilustrada por fotografias, antigas e atuais, Carsalade sugere o largo da Praça da Estação como uma espécie de “livro aberto” para a compreensão da história de Belo Horizonte. “A Praça é a melhor síntese do que seja um espaço público urbano”, afirma o professor. “É um ponto para o qual Belo Horizonte inteira converge, com apropriações diversas, presença de vários segmentos sociais e lutas urbanas entre as mais diferentes tribos. É onde a cidade acontece”, diz.

O professor também destaca a relevância arquitetônica do conjunto da Praça. “Ali encontramos manifestações arquitetônicas distintas, todas muito importantes para a história da arquitetura brasileira. É significativo o fato de, em um mesmo conjunto, termos prédios das primeiras décadas da cidade e, ao mesmo tempo, edifícios modernos e de diferentes épocas do último século.” 

Coração da cidade

Flávio Carsalade, que também é diretor da Editora UFMG, destaca a importância de a Universidade manter seu Centro Cultural naquele conjunto arquitetônico. “Uma das principais funções da Universidade é contribuir para a difusão do conhecimento nela produzido, de forma a estimular o crescimento e a capacitação da sociedade. Nesse sentido, é estratégico que o Centro Cultural UFMG esteja situado exatamente em um ponto de convergência da cidade, de efervescência cultural e política.”

O professor elege o logradouro, em cujas imediações está erguido o prédio da antiga *Escola de Engenharia da UFMG, como o ­coração da capital mineira. “Se pensarmos que o coração é o órgão que exerce a função de bombear energia para o corpo, o coração de Belo Horizonte é a Praça da Estação”, diz. “É o local onde as pessoas reconhecem a identidade da sua cidade.”

Rua Aarão Reis nas imediações da Praça da Estação
Rua Aarão Reis nas imediações da Praça da Estação Roberto Staino

Além de sua atuação docente, Flávio Carsalade foi presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e secretário municipal de Administração Urbana (Regional Pampulha). Ele frisa que, ao contrário do que se possa pensar, essa vocação política e cultural da Praça da Estação não é uma característica exatamente nova. Mesmo quando ocupada por um estacionamento a céu aberto, nos anos 1970 e 1980, o espaço era mobilizado para eventos e abrigava a agitação cultural e política. “Em qualquer tempo, a Praça sempre foi o ‘lugar onde as coisas acontecem’. As requalificações realizadas no local possibilitaram que essa vocação pudesse ser exercida mais intensamente nas últimas décadas”, conclui o autor.

Livro: Estação em movimento: a história da Praça da Estação em Belo Horizonte

Autor: Flávio Lemos Carsalade
Edição: Instituto João Ayres
Vendas: Livraria Ouvidor (Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi)
R$ 176 páginas/ R$ 98 (preço de capa)

*No livro, o prédio da antiga Escola de ­Engenharia da UFMG conta a sua história. “Nascemos em 1906, respectivamente como Grande Hotel, depois Escola Livre de Engenharia, em 1921, como Instituto de Química e, em 1959, como Escola de Engenharia, mas nos unimos desde 1911 na forma de Escola de Engenharia da UFMG até que nos desagregássemos novamente em Centro Cultural da UFMG (1989), Museu da Engenharia (1993) e em futuro Tribunal de Justiça, mas continuamos sendo um, até que a vida nos separe.”

Ewerton Martins Ribeiro