Arca vazia

Atestado de qualidade

Método utilizado na Faculdade de Farmácia identifica baixa presença de pesticidas em amostras de mel

Apenas uma de um total de 66 amostras de mel produzidas em Minas Gerais, entre fevereiro de 2014 e agosto de 2016, continha pesticidas, um dos fatores que podem comprometer a qualidade do alimento. A boa notícia é dada por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Farmácia da UFMG que, em parceria com o Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), do Ministério da Agricultura, utilizou método que associa a cromatografia líquida à espectrometria de massas para identificar a presença de pesticidas que prejudicam a qualidade do produto.  

Professora Maria Beatriz opera equipamento usado nas análises
Professora Maria Beatriz opera equipamento usado nas análises Marina Gontijo/UFMG

Capaz de mapear 116 diferentes tipos de pesticidas em amostras, o método foi descrito no artigo Multiclass method for pesticides quantification in honey by means of modified QuEChERS and UHPLC-MS/MS, publicado na revista Food Chemistry, em novembro do ano passado. “Quando introduzimos extratos de mel no cromatógrafo, o aparelho gera um gráfico por meio do qual conseguimos verificar se há e qual é o tipo de pesticida contido naquela amostra”, explica a professora Maria Beatriz de Abreu Glória, da Faculdade de Farmácia, uma das autoras do artigo.

Além da baixa incidência, os pesquisadores se surpreenderam com a natureza do pesticida identificado nas amostras. Trata-se de uma substância não encontrada em plantações, mas utilizada no tratamento de rebanhos (bovinos, equinos, ovinos, caprinos, suínos e aves) contra parasitas nos animais. Segundo a professora, o grupo esperava encontrar pesticidas usados na agricultura, pois as abelhas polinizam grandes plantações. 

“Não sabemos ao certo como as abelhas mantiveram contato com o pesticida aplicado no rebanho, mas isso é indício de que elas voam além dos limites das plantações. Além disso, muitas fazendas dedicadas ao cultivo agrícola também possuem animais, o que acaba fazendo a abelha entrar em contato com eles. Também pode ter ocorrido contaminação em virtude da manipulação desse pesticida pelos apicultores próximo às colmeias”, explica Beatriz.

No total, foram analisadas 100 amostras de mel, sendo 66 mineiras e 44 de outros estados, entre fevereiro de 2014 e agosto de 2016. A pesquisa compôs tese de doutorado defendida no fim do ano passado por Patrícia Amaral Souza Tette, na Faculdade de Farmácia da UFMG. Em seu trabalho, a pesquisadora foi além das análises da presença de pesticidas no mel. Ela caracterizou o mel de laranjeira, valorizado por suas propriedades sensoriais, que o tornam produto de relevância nos estados de Minas Gerais e São Paulo. “Patrícia dedicou um capítulo de seu trabalho a essa investigação, usando a mesma técnica para verificar a autenticidade do mel vendido como sendo de flor de laranjeira”, diz a professora Maria Beatriz, que orientou a tese.

Nessa etapa do trabalho, a agora doutora, por meio de testes realizados no cromatógrafo, verificou a presença, nas amostras examinadas, da sinefrina, elemento característico e específico de frutas cítricas. Essa parte contou com a parceria da Fundação Ezequiel Dias, que, para testar a eficácia da sinefrina como índice de autenticidade do mel de laranja, realizou análises do pólen encontrado nas amostras de mel. “Muitas vezes, a abelha não visita apenas a laranjeira, mas várias outras plantas. Portanto, essa é uma análise importante, porque atesta a veracidade da informação contida no rótulo do mel”, justifica a professora da Faculdade de Farmácia.

Indicador de contaminação

Segundo Maria Beatriz, o método de análise desenvolvido pela equipe da UFMG e parceiros não só comprova a autenticidade e qualidade do mel, como também reforça seu papel como indicador de contaminação ambiental. “A abelha, quando poliniza, leva o pesticida para a colmeia, ou seja, ela contamina o mel de acordo com os locais por onde passou. A análise pode nos mostrar quais ambientes estão contaminados e com quais substâncias”, afirma.

Esse fator tem impacto sobre a vida do consumidor. As substâncias utilizadas na agricultura têm um prazo de carência, o que significa que os produtos cultivados com os pesticidas só podem ser comercializados depois de certo período. Quando se trata da apicultura, não existe o controle do período de carência, uma vez que o produtor não tem controle total dos locais onde a abelha vai polinizar antes de ir para a colmeia.

“Como a abelha visita vários locais dentro de certo raio, é difícil saber se nas plantações por onde ela passou foi feito uso de pesticida e, em caso afirmativo, quando a substância foi utilizada. Dessa forma, o método que desenvolvemos ajuda o consumidor a ter garantia de que está adquirindo um produto de boa qualidade com relação a pesticidas que podem prejudicar a sua saúde”, afirma a Maria Beatriz de Abreu Glória. 

O Brasil produz mais de 38 mil toneladas de mel por ano e ocupa o oitavo lugar no ranking mundial de exportação do produto. 

Artigo: Multiclass method for pesticides quantification in honey by means of modified QuEChERS and UHPLC-MS/MS

Autores: Patrícia Amaral Souza Tette, Fabiano Aurélio da Silva Oliveira, Elba Nathália Corrêa Pereira, Gilsara Silva, Maria Beatriz de Abreu Glória e Christian Fernandes

Publicado na revista Food Chemistry em novembro de 2016.

Luana Macieira