Ciência e igualdade

Conservação da água em paisagens minerárias

A maior cidade do país, São Paulo, com seus mais de 12 milhões de habitantes, apresenta sérios problemas de racionamento e abastecimento de água potável. Além de duas grandes represas ao sul – Billings e Guarapiranga –, a capital paulista dispõe de outros meios de captação, tratamento e distribuição. Ao norte da Grande São Paulo, encontra-se o manancial da Serra da Cantareira, na qual unidades de conservação protegem nascentes e corpos d’água que enchem inúmeras barragens naquela região. 

No Brasil, outras grandes metrópoles sofrem com a questão da segurança hídrica, mas há cidades que contam com água de melhor qualidade. Em algumas partes do mundo, a água potável suscita conflitos geopolíticos de dimensões e gravidades assustadoras. A água é indispensável à sobrevivência e evolução de todas as formas de vida e agente modelador da crosta terrestre, com efeitos diretos no clima. 

 Quando se fala em mananciais públicos destinados ao atendimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, algumas palavras-chave, como preservação e sustentabilidade, ganham importância singular. Isso porque, no caminho, há um grande impasse: a descontrolada mineração que põe obstáculo às potencialidades do desenvolvimento socioambiental. Paisagens geoecológicas tornam-se paisagens minerárias com impacto significativo no entorno.

Na região das paisagens minerárias do Quadrilátero Ferrífero (QF), encontram-se os principais mananciais e sistemas de abastecimento hídrico da capital e adjacências. O entorno de Belo Horizonte, por sua vez, com litologia e geomorfologia favoráveis à manutenção de aquíferos e nascentes, é local privilegiado, porém se formata como território de inúmeros conflitos. Essa questão tem fundamentação socioeconômica historicamente alicerçada na chamada “mineiridade”.

A atividade minerária descaracterizadora de paisagens é parte integrante da cultura e da história do povo mineiro desde os tempos da colonização, quando os elementos espaciais da geologia e da geomorfologia eram importantes geradores de divisas para a Coroa Portuguesa. Em Minas Gerais, de norte a sul e de leste a oeste, importantes recortes do patrimônio geoecológico são apropriados pela mineração e se tornam cenários de impactos e conflitos. O estado produz grande parte dos minérios necessários às indústrias, sobretudo as internacionais, por meio das commodities. 

É preciso rever o modelo econômico da nossa sociedade, pois territórios geológicos vão além das prerrogativas de reservas minerárias e das cifras milionárias a elas associadas. Quando se vislumbram as perspectivas do patrimônio geológico, empreende-se discussão a favor da defesa dos legados que possibilitam compreender a história de formação geomorfológica da Terra.

A superfície e o subsolo terrestre não podem ser vistos apenas como fonte de minerais estratégicos para a sociedade urbano-industrial capitalista, na qual o lucro minerário fica nas mãos das grandes empresas, e a sociedade apenas recebe os passivos e problemas. Diante do exposto, o presente texto apresenta as possibilidades e potencialidades da Pedra Grande, elevação localizada no noroeste do Quadrilátero Ferrífero (MG), entre os municípios de Igarapé e Itatiaiuçu, na Grande BH, na região de preservação ambiental das represas do Rio Manso e Serra Azul, onde são registados impactos significativos decorrentes da mineração. Essas áreas de mananciais não se encontram biologicamente conectadas, dada a existência de extrações minerais em pleno funcionamento. 

Essas áreas são potencializadoras do turismo sustentável e da interpretação ambiental, porém a égide econômica sobrepuja lugares e comunidades. Na paisagem minerária da parte noroeste do QF encontra-se um importante recorte geoambiental, a Pedra Grande, ou Pico do Itatiaiuçu, divisor de águas de dois importantes sistemas, o Rio Manso, com 65.778 hectares, e o complexo Serra Azul, com 26.058 hectares, ambos declarados como Áreas de Proteção Especial (APE). Criados, respectivamente, em 1988 e em 1980, compõem-se de represas artificiais cercadas de vegetação nativa e de uso restrito, com entrada proibida. A conexão ecológica direta entre os mananciais se faz necessária por meio da criação de alguma unidade de conservação de proteção integral no âmbito da legislação estadual.

Com seus lugares e paisagens, esses territórios concentram o valor histórico da formação pretérita do planeta e podem ser bem apropriados para fins ecológicos, pedagógicos e turísticos. Serras, picos e demais formas do relevo são provas cabais das modificações, sendo algumas delas de importância para fins científicos e produção de conhecimento. Nesse ensejo, faz-se relevante considerar a permissão legal para outros usos desses territórios, para além da efêmera prática minerária, a fim de valer-se das áreas preservadas para iniciativas de aprendizagem e contemplação dos marcos singulares (geológicos e geomorfológicos) na paisagem. Nessa linha de amplitudes de usos, os geoparques são importante proposta para priorizar os geopatrimônios ou geossítios.  

Ao expor a premissa do geoturismo e da interpretação ambiental na região, o desenvolvimento sustentável se efetiva por meio de ações que viabilizam novas apropriações. Além de apresentar reflexões sobre as paisagens minerárias que cercam o Pico Itatiaiuçu, o Estado e a coletividade devem concentrar-se em entender a importância ecológica, geográfica e histórica desses cenários, contribuindo para a sua salvaguarda. Assim, os conflitos relacionados à preservação da água em paisagens minerárias podem ser ressignificados por meio das atividades do geoturismo, nas quais sítios naturais se tornam locais de percepção, leitura, análise e interpretação de aspectos físicos, químicos e biológicos. Cenários geoecológicos preservados serão a certeza de água potável e de qualidade e contribuirão para a formação de uma sociedade com nova percepção sobre os elementos naturais e de sua conservação.

Charles de Oliveira Fonseca - Bacharel em Turismo e mestre em Geografia e Análise Ambiental pelo Instituto de Geociências da UFMG.
Vagner Luciano de Andrade - Bacharel-licenciado em Geografia e Análise Ambiental pelo Unibh e licenciado em História pelo Centro Universitário de Maringá (Unicesumar).

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