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Agente negligenciado

Retrovírus da família do HIV/Aids, o HTLV pode causar leucemia/linfoma e mielopatia; UFMG pesquisa o assunto e atende pacientes e familiares

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e da Faculdade de Medicina dedicam-se, há mais de duas décadas, a investigar a ação do HTLV, retrovírus da família do HIV/Aids. O HTLV-1 pode causar doença neurodegenerativa/desmielinizante e leucemia/linfoma, e o HTLV-2, embora tenha em geral consequências bem menos graves, pode induzir a síndrome desmielinizante (doença que provoca fraqueza nas pernas, acarretando dificuldade para andar e podendo levar à paralisia). No último sábado, 10 de novembro, Dia Mundial do HTLV, o campus Saúde abrigou atividades com o intuito de chamar a atenção para o vírus, ainda muito pouco conhecido, mesmo na comunidade médica.

Em suas duas formas, o vírus infecta células do sistema imune e pode ser transmitido pela amamentação, transfusão de sangue, transplante de órgãos e uso de drogas ilegais injetáveis. Como há pouca informação, geralmente suas consequências não são tratadas desde o início, o que impede medidas mais eficazes para atenuar o sofrimento dos pacientes.

A UFMG integra o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em HTLV, do qual fazem parte também a Fundação Hemominas, Fiocruz, Hospital Eduardo de Menezes e Rede Sarah. Virologistas, biólogos, neurologistas, dermatologistas e outros profissionais e pesquisadores estudam dados epidemiológicos, buscam marcadores de diagnóstico e prognóstico e investigam a interação do vírus com as mulheres – elas são infectadas por homens mais facilmente que o contrário e adoecem muito mais que eles.

Além de teses e dissertações, os estudos da UFMG já geraram patente de teste diagnóstico, com financiamento do SUS, que está sendo licenciada para empresa mineira. Ainda neste ano, deverá ser patenteada uma vacina terapêutica. A ação do HTLV, assim como acontece com o HIV, ainda não pode ser evitada, mas medicações paliativas e fisioterapia têm sido desenvolvidas contra alguns sintomas.

Edel Stancioli com integrantes da equipe que pesquisa o HTLV
Edel Stancioli com integrantes da equipe que pesquisa o HTLV Júlia Duarte / UFMG


De célula para célula
O retrovírus foi descrito em 1977, depois de isolado no Japão. Segundo a professora Edel Barbosa Stancioli, coordenadora do Laboratório de Virologia Básica e Aplicada do ICB, os retrovírus têm forma peculiar de interagir com o hospedeiro. “Eles inserem seu genoma no genoma da célula hospedeira, e a infecção é para o resto da vida”, diz Edel.

Enquanto o HIV circula no sangue e se multiplica quando a imunidade baixa, o HTLV não cai na corrente sanguínea, mas passa de uma célula a outra. “O HIV é tratado quando está em grande quantidade, e o HTLV não tem tratamento. Nós, na UFMG, e outros grupos testamos produtos naturais que possibilitam pequena melhora do sistema imune, mas ainda não há como bloquear o vírus”, explica a professora do ICB.

O HTLV-1 circula mais na África, América Latina e em países como Japão, China e Austrália. A prevalência é mais alta no Japão, mas o Brasil lidera em números absolutos. Estima-se que haja entre cinco e dez milhões de infectados no mundo, e no Brasil seriam 2,5 milhões. “Como há muito pouca informação sobre o vírus, esses números são obtidos por projeções matemáticas”, diz Edel Stancioli.

Edel informa que apenas 5% dos infectados desenvolvem um dos dois polos principais de doenças – leucemia/linfoma das células T de adulto e a mielopatia associada ao HTLV, em que o vírus ataca a medula. Mas ressalva que há intercorrências de adoecimento graves, como uma dermatite difícil de tratar. O HTLV-2, por sua vez, infecta cerca de 200 mil pessoas no Brasil, e os grupos mais atingidos são os indígenas e usuários de drogas injetáveis.

Ambulatório
Também há mais de 20 anos, o HTLV é tema de estudos no âmbito da pós-graduação em Infectologia e Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da UFMG, sob coordenação de Denise Utsch Gonçalves. E desde abril deste ano, o projeto de extensão Cuidar HTLV oferece assistência e educação em saúde a pacientes e familiares, no Centro de Tratamento e Referência em Doenças Infectocontagiosas Orestes Diniz. “Os pacientes trazem suas dúvidas e dificuldades e se encontram com certa frequência, o que favorece a identidade de grupo e o aprendizado”, conta a infectologista e professora Julia Caporali, que coordena o projeto.

Os pacientes assintomáticos recebem orientações relacionadas à prevenção e apoio para proteção contra o estigma. As pessoas que apresentam a mielite associada ao HTLV – que causa problemas motores, retenção urinária e intestinal e dores nas costas e membros, entre outros problemas – recebem os cuidados específicos no próprio ambulatório. E os que desenvolveram leucemia ou linfoma são encaminhados para o Hospital das Clínicas da UFMG.

Força-tarefa
De acordo com Edel Stancioli, nem a Organização Mundial de Saúde (OMS) lida com o HTLV da forma como deveria. “Não se conhecem números, há pouquíssimos ambulatórios, e os testes diagnósticos ainda são importados. Os sintomas causam sofrimento e péssima qualidade de vida”, sustenta. Boa notícia é que, há cerca de quatro anos, entrou em ação uma força-tarefa mundial que persegue metas como a expansão do conhecimento sobre prevalência, produção de testes diagnósticos em cada país – como forma de reduzir custos – e a produção de vacinas destinadas a bloquear a progressão do vírus nas pessoas infectadas.

Itamar Rigueira Jr.